Pela primeira vez, máquina do Estado tem 50,6% de inativos, sem incluir pensionistas, situação que expõe risco de falta de pessoal para os serviços públicos. Áreas mais atingidas são educação e segurança
Pela primeira vez, a curva se inverteu. Após 2015 ter sido marcado pelo congelamento de concursos e nomeações, parcelamento de salários e greve do funcionalismo público, o Poder Executivo do Rio Grande do Sul passou a ter mais servidores inativos do que ativos. Os aposentados representam, atualmente, 50,6% do quadro (sem contar os pensionistas), quase 10 pontos percentuais a mais do que uma década atrás. Em valores, a participação de inativos já supera os ativos há mais tempo. Os números alertam para o risco de falta de pessoal e precarização de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança – cenário que, segundo dirigentes sindicais, já vem se delineando.
A situação pode se agravar em 2016. Segundo levantamento da Secretaria de Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos, 7,1 mil funcionários têm condições de tornarem-se inativos neste ano. Se todos decidirem deixar o serviço público, a proporção de aposentados subirá de 50,6% do quadro para 53,08%. No ano passado, a quantidade de pedidos deferidos bateu recorde: 7,9 mil pessoas decidiram pendurar as chuteiras – crescimento de 40,5% em relação a 2014. No total, a baixa somou 11 mil servidores, incluindo as exonerações. As secretarias da Educação e da Segurança Pública lideraram o ranking de afastamentos, com 4,8 mil e 2,6 mil aposentadorias cada uma.
Entidades que representam funcionários dessas categorias dizem que a debandada é reflexo da política adotada pelo governo José Ivo Sartori. Projetos encaminhados pelo Palácio Piratini à Assembleia Legislativa – como o que alterou o regime de previdência do Estado – também teriam motivado as aposentadorias. De acordo com o presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Brigada (Abamf), Leonel Lucas, a proposta que quer retirar da Constituição o texto que estabelece o tempo de contribuição para fins de aposentadoria dos policiais militares “criou um caos” na corporação:
– Outro problema é a falta de condições de trabalho. Houve corte em hora extra e gasolina, não tem compra de armamento e de viatura. Nós temos de pedir esmola na rua para botar gasolina e trocar pneu. Isso é uma humilhação.
Secretário reconhece impacto no atendimento à população
O secretário de Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos, Eduardo Olivera, admite que a crise financeira do Estado pode ter influenciado no aumento das aposentadorias, mas não entende que esse tenha sido um fator determinante. Ele lembra que os reflexos do déficit público, como o parcelamento de salários, foram os mesmos tanto para ativos quanto para inativos.
Olivera também reconhece que a redução do quadro irá impactar na prestação de serviços. O secretário sugere a revisão no tempo de serviço de algumas categorias. Nas secretarias da Segurança Pública e da Educação – as duas pastas que mais registraram pedidos de aposentadoria em 2015 –, a média de idade dos que se afastaram ficou em 50 e 57 anos.
– Antigamente, as pessoas se aposentavam e pegavam seu chinelo para ir para casa. Hoje, querem sair para aproveitar a vida de outras formas. Precisamos rediscutir qual tempo (de serviço) precisamos. Temos servidores se aposentando com 50 anos, com capacidade e experiência. Seria muito valioso tê-los na ativa por mais uns 10 anos — afirma.
Para a presidente do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul (Cpers), Helenir Aguiar Schürer, uma das causas para o crescimento das aposentadorias é o “arrocho salarial” da categoria – os professores gaúchos têm o menor vencimento básico do país, e o Estado é um dos três que descumprem a lei do piso do magistério. Este ano começou com déficit de 1,5 mil educadores. Dos 75 mil profissionais que estão na ativa atualmente (entre concursados e contratos emergenciais), 51,4 mil estão em sala de aula. Em dezembro de 2014, eram 52,9 mil.
– Os professores que pedem aposentadoria não estão indo para casa. Eles vão buscar uma nova oportunidade para garantir a sua subsistência. A grande tônica deste governo é um ataque sistemático aos servidores e a seus direitos. Então, sem perspectivas, as pessoas resolvem sair para buscar outros caminhos, infelizmente – lamenta Helenir.
Crise do Piratini estimula pedidos de aposentadoria
No início de 2015, quando completou 30 anos de serviço, Carlos Henrique (pediu para não ter o sobrenome divulgado por questões de segurança), 52 anos, sargento da Brigada Militar, solicitou recebimento de gratificação de permanência. A ideia era continuar na ativa, na Capital, por mais três anos e usar o dinheiro extra para custear os estudos da filha. Mas o pedido ficou sem resposta por meses. Quando Carlos Henrique buscou informações sobre os motivos da demora, ficou sabendo que a bonificação não seria concedida. A razão: a crise financeira do governo do Estado.
A negativa veio em meio ao cenário de parcelamento de salários dos servidores. Além disso, em razão do decreto de contingenciamento, o sargento não poderia pleitear uma promoção a que tinha direito. Foi a gota d’água. Após conversar com a mulher e os filhos, decidiu se aposentar.
– Isso criou uma instabilidade em mim e dentro da família também, uma instabilidade emocional e financeira – afirma Carlos Henrique, que ingressou na corporação aos 19 anos e diz nunca ter vivido situação tão crítica como hoje.
As condições precárias de trabalho também pesaram na decisão. O sargento, que atuava em uma área próxima a um ponto de tráfico, na zona leste de Porto Alegre, conta que tinha apenas uma viatura à disposição para patrulhar a região e que, muitas vezes, precisava esperar vir reforço da Zona Norte.
Professora da rede pública estadual no município de Caibaté, nas Missões, Maria Rita Wilges Paraboni, 49 anos, vinha contando os dias para se aposentar. Pouco havia restado daquela motivação inicial que a levou a seguir carreira no magistério. Em abril do ano passado, a educadora começou a sentir tonturas. Achou que o sintoma tivesse relação com o estresse da rotina. Em agosto, foi diagnosticada com disautonomia, um transtorno provocado por alterações do sistema nervoso. Quatro meses depois, se aposentou por invalidez.
A doença acelerou o processo de afastamento. De qualquer forma, Maria Rita já estava disposta a se aposentar assim que completasse o tempo necessário de serviço. Ela lamenta que a profissão esteja desvalorizada:
– É um descaso total. Falam tanto que a educação é prioridade, mas, quando é para valorizar os professores, não tem dinheiro em caixa. Isso desmotiva. Não acredito que a situação vá melhorar.
*Colaborou Juliano Rodrigues
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