Regras irão aumentar os pagamentos à maioria dos credenciados. Associações hospitalares dizem que dados do governo não conferem com a realidade de custos
Após publicação de reportagem em ZH, o Ipe Saúde anunciou que novas rodadas de negociações realizadas nos últimos dias de março permitiram a redução das perdas de seis hospitais credenciados com a adoção das novas tabelas de remuneração. Isso significa que, para a minoritária parcela que terá queda de receita, a recomposição garantiu uma sensível melhora no cenário.
s novas referências entram em vigor na próxima segunda-feira (1º). Elas reduzem os reembolsos pelo uso de medicamentos e fornecimento de dietas, mas aumentam os valores pagos aos prestadores de serviços por materiais hospitalares, diárias e taxas.
GZH teve acesso a um estudo contratado pelo Ipe Saúde junto à Unimed Central de Serviços para avaliar o impacto das novas tabelas, recebidas com resistência pelas instituições. Dos 241 hospitais credenciados para atender os cerca de 1 milhão de segurados, entre servidores públicos estaduais e seus dependentes, mais de 97% terão aumento no faturamento com as novas tabelas de remuneração. Ou seja, serão 235 prestadores com ampliação dos valores recebidos do Ipe Saúde, controlado pelo governo estadual, pelo atendimento de saúde dos segurados.
No estudo da Unimed Central de Serviços, apresentado em reunião na Assembleia Legislativa em meados de março, seis credenciados foram listados como os únicos que teriam perda de receita com os novos parâmetros. São eles: Hospital Ernesto Dornelles, Hospital São Lucas (PUCRS), Hospital de Clínicas de Passo Fundo, Hospital São Vicente de Paulo (Passo Fundo), Hospital Caridade de Ijuí e Sociedade Beneficente Sapiranguense (Hospital Sapiranga).
Após o diagnóstico, vieram novas rodadas de debates nos últimos dias de março, coordenadas pela secretária estadual de Planejamento, Governança e Gestão, Danielle Calazans. O resultado dos encontros foi a redução das perdas entre 0,48 e 6,38 pontos percentuais (veja tabela completa abaixo).
O fator fundamental para a recomposição foi a tabela de medicamentos, item mais polêmico da nova fórmula de reembolso. Essa medida vinha sendo exigida pelo Ministério Público (MP) e pela Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage) para adequar aos valores de mercado os pagamentos do Ipe Saúde. Historicamente, os fármacos eram cobrados com sobrepreço, o que era feito em acordo com a autarquia, como forma de financiamento cruzado. Preços mais altos de remédios, baseados na tabela Brasíndice, publicação ligada ao setor privado, eram aceitos para compensar os valores defasados de taxas e diárias hospitalares. Os apontamentos dos órgãos de controle foram de que, ao longo de anos, a prática lesou os cofres do Ipe Saúde.
A intenção, agora, é equilibrar as cifras, mas há divergências e resistências sobre a mesa. A legislação em vigor diz que os hospitais não podem ter lucro com a aplicação de remédios em pacientes. Eles devem somente receber o reembolso pelo valor de custo. Nas negociações com Calazans, os seis hospitais que tiveram projeção de perdas no estudo apresentaram notas fiscais indicando que pagavam mais por alguns fármacos do que constava como referência nas novas tabelas.
O governo estadual decidiu considerar os fatos apresentados, fez uma revisão parcial de itens e atualizou os valores de reembolso. Com isso, foi possível minorar as perdas. Esses novos cálculos foram informados após a publicação de reportagem de GZH sobre o estudo e, até o momento, não haviam sido oficializados.
A Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do RS (Federação RS) e a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Rio Grande do Sul (Fehosul) contestam o anúncio do governo estadual e afirmam que a fórmula segue desequilibrada. As entidades se manifestaram em nota: “Os dados do Ipe Saúde não conferem com a realidade de custos dos hospitais. E, apesar das reuniões, não ocorreram avanços no pleito principal das instituições, que é o equilíbrio econômico-financeiro para sustentar a operação. O problema não está na tabela dos medicamentos, mas nos valores das diárias e taxas, que ainda não cobrem o custo do serviço, nem garantem uma margem que possa ser reinvestida nas próprias instituições. Seguimos abertos ao diálogo e à construção conjunta de uma alternativa que seja adequada para todos.”
O Ministério Público do RS também se manifestou. “Diversamente do que tem sido propagado, o novo modelo não acarretará prejuízos a hospitais e clínicas, representando, de fato, um marco histórico ao IPE/Saúde, diante da superação de práticas de financiamento cruzado que, despidas de transparência e legalidade, contribuíam para a falta de sustentabilidade financeira da Autarquia, ao mesmo tempo em que precarizavam a qualidade de serviços sub-remunerados, como consultas médicas.”, disse a instituição.
“Alguns prestadores de serviços terão aumento nos valores que receberão, outros poucos, diminuição mínima decorrente da correção e ajustes dos pagamentos. Mesmo assim, ainda poderão negociar com os gestores, de forma legal e transparente, a valorização de alguns serviços, desde que haja viabilidade orçamentária para tanto. Porém, não será mais tolerada a postura de prestadores que qualificam como “perda” o fato de que deixarão de auferir recursos que percebiam em contrariedade à legislação.”, afirma a promotoria. “Este Órgão não se furtará a adotar as medidas judiciais que eventualmente se fizerem necessárias à observância da lei, à proteção do patrimônio público e à defesa do direito à assistência à saúde dos segurados.” Confira a nota na íntegra.
Como ficou a perda de receita dos seis hospitais após a revisão da tabela de medicamentos do Ipe Saúde:
- Hospital Ernesto Dornelles: -11,12% para -8,62%
- Hospital São Lucas (PUCRS): -3,97% para – 1,43%
- Hospital São Vicente de Paulo (Passo Fundo): -8,43% para -7,95%
- Hospital de Clínicas de Passo Fundo: -11,85% para -10,63%
- Hospital de Caridade de Ijuí: -19,7% para -18,16%
- Hospital Sapiranga: -9,03% para -2,65%
Exemplo de sobrepreço de medicamento que será extinto com a adoção das novas tabelas*
O “fluconazol 100 ml” tem valor de compra pelos hospitais de R$ 8,73, mas eles cobrariam do Ipe Saúde a quantia de R$ 201,62 pela utilização. Uma margem de lucro, cuja prática é vedada, de 2.310%, aponta o estudo. O documento define o patamar da cobrança como “inacreditável e inexistente em quaisquer outros ramos de atividades econômicas”.
*Dados do estudo do Ipe Saúde com as novas tabelas
Medicamentos e dietas*
- Faturamento dos hospitais com tabelas atuais: R$ 756,9 milhões
- Faturamento dos hospitais com tabelas novas: R$ 424,3 milhões
- Diferença de -43,94%
Materiais hospitalares
- Faturamento dos hospitais com tabelas atuais: R$ 43,3 milhões
- Faturamento dos hospitais com tabelas novas: R$ 51,7 milhões
- Diferença de +19,36%
Diárias e taxas
- Faturamento dos hospitais com tabelas atuais: R$ 357,8 milhões
- Faturamento dos hospitais com tabelas novas: R$ 705,6 milhões
- Diferença de +97,22%
Somatório geral
- Com tabelas atuais: R$ 1.592 bilhão
- Com tabelas novas: R$ 1.615 bilhão
- Diferente positiva de R$ 23,6 milhões, acréscimo de 1,49%
Mais de 97% dos 241 hospitais credenciados pelo Ipe Saúde terão aumento nas receitas com as novas tabelas
*Dados do estudo da Unimed Central de Serviços com base no exercício de 2022