Governo estadual tenta reduzir teto de dívidas de pequeno valor
Projeto do Piratini que diminui de 40 para sete salários mínimos o pagamento de RPVs, limitando desembolso do governo, será apreciado nesta terça. Medida pode elevar fila de precatórios
De olho no rombo das contas públicas, o Palácio Piratini tentará aprovar nesta terça-feira, na Assembleia, a redução dos gastos com Requisições de Pequeno Valor (RPVs) – como são chamadas as dívidas de menor peso do Estado. Caso receba o aval dos deputados, a alteração ajudará a amenizar a crise nas finanças, mas provocará um efeito colateral perverso: a fila dos precatórios, que já é extensa, ficará ainda maior.
Se a medida já estivesse valendo, de janeiro a agosto deste ano 56,6 mil pessoas teriam deixado de receber RPVs e se tornado precatoristas, a menos que aceitassem abrir mão de parte do dinheiro.
Hoje, as RPVs são limitadas a 40 salários mínimos (R$ 31,5 mil) e precisam ser quitadas em no máximo 180 dias pelo Executivo. Quando o montante devido pelo Estado passa disso, os créditos são classificados como precatórios, cujo pagamento pode demorar décadas.
Em 2013, o ex-governador Tarso Genro tentou baixar o teto das RPVs para 10 salários mínimos. A iniciativa sofreu resistência – inclusive do PMDB, que hoje comanda o Piratini –, e ele desistiu da ideia. Agora, a intenção de José Ivo Sartori é circunscrever as RPVs a sete salários (R$ 5,5 mil) para diminuir o impacto sobre os cofres estaduais.
– Na prática, o governo quer empurrar o problema com a barriga. É uma espécie de calote oficial. Se for aprovado, vamos recorrer à Justiça – diz Katia Terraciano Moraes, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado (Sinapers).
A mudança também é criticada pela seção gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), que enviou ofício ao parlamento e ao Tribunal de Justiça defendendo a rejeição do texto. O presidente da entidade, Marcelo Bertoluci, diz que o projeto é juridicamente questionável porque o prazo para alterações do tipo expirou em 2010.
– Mais uma vez, o Poder Executivo insiste em um projeto simplório, com equívocos básicos e sem nenhum diálogo com a sociedade. Por simetria, as prefeituras também reduzirão os valores, e isso vai provocar um calote em cascata – adverte Bertoluci.
Para quem é titular de um precatório, o principal temor é o prolongamento da espera pela indenização. É o caso da pensionista Noeli de Almeida Mércio Pereira, 72 anos. Moradora da Capital, ela está nessa situação desde 2003. Por ter preferência devido à idade, recebeu parte do valor. Segue na expectativa pelo restante do crédito, cuja cifra prefere não revelar.
Até a última semana, ocupava a posição 9.443 na lista.
– Vou receber quando? Na próxima encarnação? A gente sabe que a situação das finanças é crítica, mas o governo está agindo mal – lamenta.
Especialista no tema, o juiz da Central de Precatórios do Tribunal de Justiça do Estado, Marcelo Mairon Rodrigues, evita polemizar. Ele concorda que a fila vai aumentar, porém faz uma ressalva: existe justificativa para a proposta e nem todos sairão perdendo.
– É verdade que, para muitos precatoristas, será ruim. Mas, baixando o valor das RPVs, será possível pagar um número maior de pessoas com direito à parcela preferencial. A alteração vai desagradar a alguns e agradar a outros – pondera Rodrigues, que destaca a necessidade de mais recursos para o pagamento de precatórios.
Os desembolsos do Estado com RPVs crescem desde 2011. Neste ano, a estimativa é de R$ 900 milhões. Se isso se confirmar, será o dobro dos gastos com o custeio da segurança e da educação. Se aprovado o novo teto de pagamento para RPVs, o valor cairia para R$ 180 milhões. O restante seria usado para cobrir o rombo nas contas.
A estimativa
A projeção é de que, neste ano, o desembolso com RPVs deva alcançar R$ 900 milhões. Caso seja aprovada a redução do teto de pagamento, o valor anual cairia para R$ 180 milhões, se for mantida igual estimativa de desembolso. O que deixaria de ser repassado para o pagamento de dívidas de pequeno valor poderia ser usado para cobrir o déficit nas finanças.
Emenda pode alterar limite proposto para 10 salários
Deputados estaduais do PT indicaram a possibilidade de apresentar uma emenda ao projeto antes da votação. A ideia, segundo líder da bancada petista, Luiz Fernando Mainardi, é limitar o valor dos títulos a 10 salários mínimos (R$ 7,8 mil), e não a sete (R$ 5,5 mil), como quer o Palácio Piratini.
– O governo só não colocou 10 salários no projeto original para não ficar igual à proposta do ex-governador Tarso Genro. Na época, o PMDB votou contra – afirma Mainardi.
Líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB) rebate a crítica e diz que “o PT quer aparecer”. Segundo ele, a base deverá apresentar emenda semelhante. A decisão, na avaliação da Secretaria da Fazenda, não altera a essência da proposta.
O que são as RPVs
– Requisições de Pequeno Valor (RPVs) são dívidas do Estado de até 40 salários mínimos (R$ 31,5 mil) decorrentes de processos judiciais. Acima dessa quantia, os créditos viram precatórios.
– Quase a totalidade, 99% das RPVs, envolvem servidores públicos estaduais ativos, inativos e pensionistas e são de caráter salarial.
– Mais de 70% relacionam-se às Leis Britto (reajustes salariais não pagos).
Como é feito o pagamento
– Desde 2011, por lei, o Piratini destina 1,5% da receita corrente líquida para o pagamento de RPVs. Em 2014, foram R$ 415,7 milhões.
– Conforme a legislação, as RPVs de até sete salários mínimos (R$ 5,5 mil) precisam ser quitadas em 30 dias, o que é cumprido.
– Além desse valor, devem ser honradas no prazo de até 180 dias, mas, por falta de recursos, os repasses vêm sendo atrasados.
– Para forçar o pagamento, juízes têm determinado o sequestro do dinheiro diretamente das contas do Estado.
– Com isso, o volume dispendido superou 1,5% da receita, limite que juízes consideram inconstitucional. Em 2014, foram R$ 845,7 milhões.
O projeto do poder Executivo
O governo pretende limitar as RPVs a sete salários mínimos (R$ 5,5 mil), e não mais a 40 salários (R$ 31,5 mil). Se a proposta for aprovada, passará a valer para RPVs constituídas a partir da publicação no Diário Oficial do Estado.
A justificativa do governo
Como os sequestros judiciais são ilimitados, acaba sendo difícil prever com exatidão o valor a ser destinado para as RPVs, o que dificultaria o planejamento financeiro para os desembolsos.
Desde 2011, o volume de pagamentos de RPVs é crescente. Neste ano, deve chegar a R$ 900 milhões. Se isso se confirmar, será o dobro dos gastos com o custeio da segurança e da educação.
Com a alteração do teto de pagamento, o governo estadual espera se livrar dos sequestros judiciais, já que tem conseguido quitar as RPVs de até sete salários sem maiores problemas (R$ 5,5 mil).
Os R$ 900 milhões que seriam gastos em 2015 cairiam para R$ 180 milhões, e o restante seria usado para cobrir o rombo nas contas.
Como isso afetará os beneficiários
Se o projeto for aprovado, pessoas que tiverem mais de sete salários mínimos a receber terão o crédito enquadrado como precatório.
Isso vai aumentar a fila dos precatórios, que vêm sendo pagos, mas de forma bem mais lenta (o Estado destina 1,5% da receita). A dívida passa de R$ 8,5 bilhões.
A alteração também se refletirá no pagamento dos donos de precatórios com preferência (pessoas de 60 anos ou mais ou com doenças graves).
Eles têm direito a receber parte do crédito antes, e a parcela é limitada a até três vezes o valor da RPV. Se a RPV for reduzida, o valor cairá.
Por outro lado, com os valores mais baixos, o número de credores pagos será maior.
Por que as RPVs viraram um problema
O pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs) tornou-se um problema para o Estado, segundo a Secretaria da Fazenda, basicamente por dois motivos: a explosão de ações e a onda de sequestros judiciais.
Para garantir o pagamento de sentenças, juízes têm determinado, desde 2011, o bloqueio dos recursos diretamente das contas do Estado. Conforme o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Busatto, o montante destinado ao pagamento de RPVs saiu do controle e superou, por exemplo, os gastos do Estado com o custeio da educação e da segurança pública.
Ao mesmo tempo, advogados têm preferido fracionar ações a apostar em uma única causa, que poderia render um precatório milionário – e eterno. Com o fracionamento, garantem o pagamento mais rápido e efetivo, na forma de RPVs. Como o limite atual é 40 salários mínimos, a estratégia vale a pena.
O governo estadual entende que, se conseguir reduzir para sete salários, passará a evitar os sequestros e a pulverização de ações.
– Sabemos que o Estado deve e não contestamos as decisões judiciais. A única coisa que queremos é definir um limitador – explica Busatto.
– O que se quer é corrigir uma distorção – complementa o chefe da Seção de Precatórios e RPVs da Secretaria da Fazenda, David Rizzardo Milani.
O procurador-geral adjunto para Assuntos Jurídicos, Leandro Nicola de Sampaio, da Procuradoria-Geral do Estado, lembra que outras unidades da federação também readequaram o limite e que não há irregularidade nisso:
– O Estado não vai deixar de pagar ninguém. O valor dos créditos não vai sofrer alteração. Ninguém vai perder dinheiro. O que vai mudar é apenas a forma de cobrança. O importante é que haja sistematização e organização dos pagamentos.
CONTAS PÚBLICAS PAGAMENTO DE DÍVIDAS
TETO MENOR PODE ELEVAR FILA DE PRECATÓRIOS
NA BUSCA POR RECURSOS para tentar cobrir rombo nas finanças, governo Sartori apresenta proposta para baixar o limite de pagamento de dívidas de pequeno valor, as RPVs. A mudança deixará mais recursos em caixa, mas tende a aumentar o número de pessoas que tem dinheiroa receber do Estado. O projeto deveser votado amanhã na Assembleia
De olho no rombo das contas públicas, o Palácio Piratini tentará aprovar amanhã, na Assembleia, a redução dos gastos com Requisições de Pequeno Valor (RPVs) – como são chamadas as dívidas de menor peso do Estado. Caso receba o aval dos deputados, a alteração ajudará a amenizar a crise nas finanças, mas provocará um efeito colateral perverso: a fila dos precatórios, que já é extensa, ficará ainda maior.
Se a medida já estivesse valendo, de janeiro a agosto deste ano 56,6 mil pessoas teriam deixado de receber RPVs e se tornado precatoristas, a menos que aceitassem abrir mão de parte do dinheiro.
Hoje, as RPVs são limitadas a 40 salários mínimos (R$ 31,5 mil) e precisam ser quitadas em no máximo 180 dias pelo Executivo. Quando o montante devido pelo Estado passa disso, os créditos são classificados como precatórios, cujo pagamento pode demorar décadas.
Em 2013, o ex-governador Tarso Genro tentou baixar o teto das RPVs para 10 salários mínimos. A iniciativa sofreu resistência – inclusive do PMDB, que hoje comanda o Piratini –, e ele desistiu da ideia. Agora, a intenção de José Ivo Sartori é circunscrever as RPVs a sete salários (R$ 5,5 mil) para diminuir o impacto sobre os cofres estaduais.
– Na prática, o governo quer empurrar o problema com a barriga. É uma espécie de calote oficial. Se for aprovado, vamos recorrer à Justiça – diz Katia Terraciano Moraes, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado (Sinapers).
A mudança também é criticada pela seção gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), que enviou ofício ao parlamento e ao Tribunal de Justiça defendendo a rejeição do texto. O presidente da entidade, Marcelo Bertoluci, diz que o projeto é juridicamente questionável porque o prazo para alterações do tipo expirou em 2010.
– Mais uma vez, o Poder Executivo insiste em um projeto simplório, com equívocos básicos e sem nenhum diálogo com a sociedade. Por simetria, as prefeituras também reduzirão os valores, e isso vai provocar um calote em cascata – adverte Bertoluci.
HÁ JUSTIFICATIVA NA PROPOSTA, AFIRMA JUIZ
Para quem é titular de um precatório, o principal temor é o prolongamento da espera pela indenização. É o caso da pensionista Noeli de Almeida Mércio Pereira, 72 anos. Moradora da Capital, ela está nessa situação desde 2003. Por ter preferência devido à idade, recebeu parte do valor. Segue na expectativa pelo restante do crédito, cuja cifra prefere não revelar. Até a última semana, ocupava a posição 9.443 na lista.
– Vou receber quando? Na próxima encarnação? A gente sabe que a situação das finanças é crítica, mas o governo está agindo mal – lamenta.
Especialista no tema, o juiz da Central de Precatórios do Tribunal de Justiça do Estado, Marcelo Mairon Rodrigues, evita polemizar. Ele concorda que a fila vai aumentar, porém faz uma ressalva: existe justificativa para a proposta e nem todos sairão perdendo.
– É verdade que, para muitos precatoristas, será ruim. Mas, baixando o valor das RPVs, será possível pagar um número maior de pessoas com direito à parcela preferencial. A alteração vai desagradar a alguns e agradar a outros – pondera Rodrigues, que destaca a necessidade de mais recursos para o pagamento de precatórios.
Os desembolsos do Estado com RPVs crescem desde 2011. Neste ano, a estimativa é de R$ 900 milhões. Se isso se confirmar, será o dobro dos gastos com o custeio da segurança e da educação. Se aprovado o novo teto de pagamento para RPVs, o valor cairia para R$ 180 milhões. O restante seria usado para cobrir o rombo nas contas.
JULIANA BUBLITZ
ZERO HORA