Proposta diminui de 40 para sete salários mínimos o pagamento de RPVs, limitando o desembolso do governo, mas depende de aval de líderes de bancada para ter a votação antecipada
O Palácio Piratini tentará aprovar nesta terça-feira, na Assembleia Legislativa, o projeto de lei que reduz os gastos com Requisições de Pequeno Valor (RPVs) — como são chamadas as dívidas de menor peso do Estado.
Para conseguir antecipar a votação, prevista inicialmente para o dia sete de outubro, precisará do aval de pelo menos 37 parlamentares na reunião dos líderes de bancadas, que antecede a sessão. Até o fim da tarde desta segunda-feira, o acordo não estava garantido.
Governo estadual tenta reduzir teto de dívidas de pequeno valor
Apresentada pelo Poder Executivo para amenizar a crise nas finanças, a proposta é alvo de controvérsia. Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) alertam para o efeito colateral da medida: se aprovada, deve contribuir para aumentar a fila dos precatoristas, que já é extensa.
— É um equívoco. Estaremos na Assemblei para pressionar pela retirada — diz o presidente da entidade, Marcelo Bertoluci.
As RPVs são limitadas a 40 salários mínimos (R$ 31,5 mil) e precisam ser quitadas em no máximo 180 dias pelo Executivo. Quando o montante devido passa disso, os créditos são classificados como precatórios, cujo pagamento pode demorar décadas.
Precatórios do Estado somam R$ 8,1 bilhões no RS
A intenção do governador José Ivo Sartori é limitar as RPVs a sete salários (R$ 5,5 mil) para, com isso, diminuir o impacto sobre os cofres estaduais (só este ano, serão R$ 900 milhões). O projeto começa a trancar a pauta do Parlamento no próximo dia sete — o que significa que terá de ser votado de qualquer maneira a partir de então.
— Vamos propor a antecipação, mas, se não conseguirmos, não há problema. A base compreendeu a gravidade da crise financeira e aprovará a mudança nesta ou na próxima semana — afirma o líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB).
Os aliados são maioria, mas, no que depender da oposição, não haverá acordo para precipitar a análise.
Inicialmente, o líder da bancada do PT, Luiz Fernando Mainardi, havia dito que os petistas apresentariam emenda para limitar as RPVs a 10 salários mínimos. A alteração tornaria o projeto idêntico ao apresentado pelo ex-governador Tarso Genro (PT) em 2013. Na época, o texto foi retirado por falta de apoio no Parlamento e por pressão da OAB-RS.
Nesta segunda-feira, Mainardi voltou atrás. Segundo ele, a bancada não só deverá se posicionar contra a proposição de Sartori como não proporá a alteração.
— Eu havia sugerido a emenda, mas a bancada discordou de mim por entender que devemos ser coerentes com a posição que adotamos em 2013. Na ocasião, o PT pediu a retirada do projeto a Tarso — justifica Mainardi.
O deputado Pedro Ruas, do PSOL, já avisou que não facilitará a vida de Postal. O líder da bancada do PC do B, Juliano Roso, seguirá o mesmo caminho. Com isso, seriam 14 parlamentares contrários à antecipação (somando todos os deputados estaduais do PT, do PSOL e do PC do B), número insuficiente para evitar a antecipação.
— Faremos tudo para dificultar a votação, porque o projeto é cruel. É um calote descarado nos mais necessitados — destaca Pedro Ruas.
Existe a possibilidade de que o PTB fique do lado da oposição, o que elevaria a conta para 19. Com isso, restariam 36 a favor do acordo proposto por Postal. Como o regimento da Assembleia exige pelo menos 37 favoráveis, a votação ficaria para a próxima semana. Mas o líder da bancada do PTB, Aloísio Classmann, evita adiantar a definição da sigla. Segundo ele, a definição sairá apenas na terça-feira, antes da sessão.
O que são as RPVs
– Requisições de Pequeno Valor (RPVs) são dívidas do Estado de até 40 salários mínimos (R$ 31,5 mil) decorrentes de processos judiciais. Acima dessa quantia, os créditos viram precatórios.
– Quase a totalidade, 99% das RPVs, envolvem servidores públicos estaduais ativos, inativos e pensionistas e são de caráter salarial.
– Mais de 70% relacionam-se às Leis Britto (reajustes salariais não pagos).
Como é feito o pagamento
– Desde 2011, por lei, o Piratini destina 1,5% da receita corrente líquida para o pagamento de RPVs. Em 2014, foram R$ 415,7 milhões.
– Conforme a legislação, as RPVs de até sete salários mínimos (R$ 5,5 mil) precisam ser quitadas em 30 dias, o que é cumprido.
– Além desse valor, devem ser honradas no prazo de até 180 dias, mas, por falta de recursos, os repasses vêm sendo atrasados.
– Para forçar o pagamento, juízes têm determinado o sequestro do dinheiro diretamente das contas do Estado.
– Com isso, o volume dispendido superou 1,5% da receita, limite que juízes consideram inconstitucional. Em 2014, foram R$ 845,7 milhões.
O projeto do poder Executivo
O governo pretende limitar as RPVs a sete salários mínimos (R$ 5,5 mil), e não mais a 40 salários (R$ 31,5 mil). Se a proposta for aprovada, passará a valer para RPVs constituídas a partir da publicação no Diário Oficial do Estado.
A justificativa do governo
Como os sequestros judiciais são ilimitados, acaba sendo difícil prever com exatidão o valor a ser destinado para as RPVs, o que dificultaria o planejamento financeiro para os desembolsos.
Desde 2011, o volume de pagamentos de RPVs é crescente. Neste ano, deve chegar a R$ 900 milhões. Se isso se confirmar, será o dobro dos gastos com o custeio da segurança e da educação.
Com a alteração do teto de pagamento, o governo estadual espera se livrar dos sequestros judiciais, já que tem conseguido quitar as RPVs de até sete salários sem maiores problemas (R$ 5,5 mil).
Os R$ 900 milhões que seriam gastos em 2015 cairiam para R$ 180 milhões, e o restante seria usado para cobrir o rombo nas contas.
Como isso afetará os beneficiários
Se o projeto for aprovado, pessoas que tiverem mais de sete salários mínimos a receber terão o crédito enquadrado como precatório.
Isso vai aumentar a fila dos precatórios, que vêm sendo pagos, mas de forma bem mais lenta (o Estado destina 1,5% da receita). A dívida passa de R$ 8,5 bilhões.
A alteração também se refletirá no pagamento dos donos de precatórios com preferência (pessoas de 60 anos ou mais ou com doenças graves).
Eles têm direito a receber parte do crédito antes, e a parcela é limitada a até três vezes o valor da RPV. Se a RPV for reduzida, o valor cairá.
Por outro lado, com os valores mais baixos, o número de credores pagos será maior.
Por que as RPVs viraram um problema
O pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs) tornou-se um problema para o Estado, segundo a Secretaria da Fazenda, basicamente por dois motivos: a explosão de ações e a onda de sequestros judiciais.
Para garantir o pagamento de sentenças, juízes têm determinado, desde 2011, o bloqueio dos recursos diretamente das contas do Estado. Conforme o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Busatto, o montante destinado ao pagamento de RPVs saiu do controle e superou, por exemplo, os gastos do Estado com o custeio da educação e da segurança pública.
Ao mesmo tempo, advogados têm preferido fracionar ações a apostar em uma única causa, que poderia render um precatório milionário – e eterno. Com o fracionamento, garantem o pagamento mais rápido e efetivo, na forma de RPVs. Como o limite atual é 40 salários mínimos, a estratégia vale a pena.
O governo estadual entende que, se conseguir reduzir para sete salários, passará a evitar os sequestros e a pulverização de ações.
– Sabemos que o Estado deve e não contestamos as decisões judiciais. A única coisa que queremos é definir um limitador – explica Busatto.
– O que se quer é corrigir uma distorção – complementa o chefe da Seção de Precatórios e RPVs da Secretaria da Fazenda, David Rizzardo Milani.
O procurador-geral adjunto para Assuntos Jurídicos, Leandro Nicola de Sampaio, da Procuradoria-Geral do Estado, lembra que outras unidades da federação também readequaram o limite e que não há irregularidade nisso:
– O Estado não vai deixar de pagar ninguém. O valor dos créditos não vai sofrer alteração. Ninguém vai perder dinheiro. O que vai mudar é apenas a forma de cobrança. O importante é que haja sistematização e organização dos pagamentos.
ZERO HORA