A institucionalização do calote estatal (por Alexandre Uellner)

17550484Há 15 anos atuando em ações contra o Estado tenho visto de tudo. Assisto chocado e luto em vão contra um aparato criado pelo Estado cujo objetivo não é fazer valer o interesse público. Ao contrário, é aviltá-lo.

Não há verdadeiro respeito ao interesse público quando o maior prejudicado é a própria sociedade que o legitima.

O último dos sapos que teremos de engolir, nós advogados e dezenas de milhares de servidores públicos credores do Estado, está lá estampado no PL nº 336/2015. Com ele, caso aprovado, aqueles que elegemos para nos representar na Assembleia Legislativa do RS estarão chancelando, ao bem do Estado do Rio Grande do Sul, o calote institucionalizado de suas dívidas. Algo como: “Devo, sei que devo, mas não quero pagar. Mas você pode abrir mão de todo seu crédito e receber essa ´merreca´ou morrer na fila dos precatórios. Escolha…”.

Credores, advogados e uma infinidade de pessoas que também fazer parte desse processo serão de certa forma negativamente afetados. As partes que já abriam mão de grande valores para receber por meio de RPV, 40 salários mínimos, agora terão de se sujeitar a receber sete salários, ou encarar a fila impagável de precatórios. Uma redução que representa mais de 80% do valor dos créditos e, via de consequência, dos honorários que seriam percebidos.

Mas, como os créditos serão de servidores professores, policiais civis, militares, agentes educacionais, profissionais da saúde, advogados, bom, aí tudo bem!… O remédio só não é amargo quando não nos atinge.

Somos um país onde as medidas paliativas escolhidas por aqueles que nos governam nunca são criadas para evitar o problema, mas empurrá-lo com a barriga. É o que estamos vendo agora. O resultado útil do que o governo de Sartori pretende com o PL nº 336/2015 não é solucionar a crise do Estado.

Longe disso, quer apenas evitar temporariamente que ele próprio tenha que pagar essas dívidas. Vai passá-las, como de costume, para o próximo governo.

Os maiores prejudicados aguardam duas décadas para receber os valores que deveriam.

Que o governo e os deputados estaduais tenham bem presente em suas consciências que muitos já morreram sem receber. O tempo, para esses, não custou caro. Custou sua vida. Por isso, a saída proposta só agrava o sofrimento dos credores.

As convicções políticas de nossos deputados não existem – ou se existem, não são consideradas.

Grande parte desses senhores que irão “ferrar” com os credores do Estado, lá no período pré-eleitoral defendiam a valorização desses mesmos servidores como meta em seu mandato. Que valorização pode ser compatível com o calote de seus direitos? Que interesse público pode ser superior ao negligenciamento dos direitos sociais dos governados?

O governo está cometendo um grave erro. Não está só oferecendo um remédio amargo. Está dando uma lição antidemocrática. Não há democracia quando a tal “urgência” dos projetos burla e impede a discussão dos mesmos com a sociedade civil, com as entidades de classe, sindicatos e todos os protagonistas envolvidos num projeto de impacto como o é o PL nº 336/2015.

Dia 20 próximo, o projeto irá à votação. Entidades sindicais mobilizem-se. OAB continue firme na batalha junto ao parlamento!

Dos nossos deputados espera-se que se lembrem de seu compromisso social. Seus votos não devem jamais representar um compromisso com o governo, mas com a sociedade que legitimou seu mandato. Os governos mudam, a sociedade é perene.

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Por Alexandre Uellner é advogado (OAB-RS nº 50.878).

SUL21

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