
1. Objetivo e Justificativa
A proposta busca reformular o pacto federativo na área de segurança pública, ampliando a cooperação entre os entes federados e redefinindo competências. O texto sinaliza uma tentativa de criar um Sistema Único de Segurança Pública e Defesa Social (SUSP) de forma mais orgânica e estruturada, nos moldes do SUS na saúde.
2. Pontos que poderiam ser Positivos
a) Integração Federativa
- A PEC reforça a integração entre União, Estados, DF e Municípios, valorizando o papel de cada ente, sem eliminar a autonomia local:
- Art. 21, XXVIII: propõe a coordenação da União, mas respeita competências comuns e concorrentes.
- Art. 144, §7º: reforça a necessidade de atuação integrada e coordenada.
b) Inclusão das Guardas Municipais
- Reconhecer as guardas como parte do sistema de segurança pública.
- Permitir sua atuação em segurança urbana, policiamento ostensivo e comunitário.
CONTUDO: seria mais interessante Substituir “policiamento ostensivo” por “ações de segurança urbana preventiva”. Vincular a atuação das guardas a planos municipais integrados com os estados, com definição clara de atribuições em lei complementar federal.
Ainda, A PEC cria um novo modelo de controle externo não previsto anteriormente para as guardas, mas não regulamenta seu escopo.
Isso Pode gerar dúvidas sobre:
- A distinção entre controle externo e controle administrativo;
- A forma de responsabilização dos agentes;
- A articulação com corregedorias e ouvidorias.
- Sem regulamentação, o MP poderá adotar posturas distintas entre estados e municípios, gerando assimetria institucional.
- Para aí sim, efetivar o controle externo pelo Ministério Público (§8º-A) e ouvidorias com autonomia (§14), o que pode aumentar a transparência e controle social.
c) Clareza sobre Funções da Polícia Viária Federal
- A proposta distingue claramente as funções da polícia viária federal:
- Não exerce funções de polícia judiciária (§2º-B).
- Pode atuar em apoio emergencial aos Estados (§2º-A), respeitando requisições dos governadores, o que evita conflitos federativos.
d) Criação de Fundos Nacionais
- A proposta constitucionaliza os Fundos de Segurança Pública e Penitenciário, com proibição de contingenciamento (§11) – o que pode garantir maior previsibilidade orçamentária.
3. Pontos Críticos e Preocupações
a) Risco de Centralização
- Apesar de mencionar a coordenação integrada, há preocupação quanto à concentração de poder na União, especialmente:
- Art. 21, XXVII e XXVIII: a formulação pode abrir margem para intervenções indevidas ou sobreposição de competências.
- A previsão de uso da PRF para proteção de bens federais ou apoio às forças estaduais pode ser ambígua e gerar choques de competência política, especialmente em contextos de crise.
b) Guarda Municipal como Polícia Ostensiva
- Embora haja avanço no reconhecimento da guarda, o §8º-B permite policiamento ostensivo, o que pode gerar conflitos com as polícias militares e desequilíbrio no sistema se não houver clara regulamentação.
- Há o risco de militarização indireta das guardas, em contradição com seu caráter civil.
c) Vagas por Transformação de Cargos (Art. 2º)
- A transformação automática de cargos da PRF pode ser questionada do ponto de vista da isonomia e do concurso público, especialmente se não houver critérios objetivos e concursos específicos.
d) Supressão de Dispositivos
- A revogação do inciso III e do §3º do art. 144, sem explicação clara na minuta, gera insegurança jurídica. O inciso III trata da polícia ferroviária federal, e sua revogação pode deixar lacuna institucional.
4. Aspectos Técnicos e Redacionais
- O texto está, de modo geral, bem estruturado e coerente, mas poderia trazer melhor fundamentação dos impactos práticos e institucionais dessas mudanças.
- Falta exposição de motivos ou justificativa formal, o que enfraquece a apresentação política da proposta.
5. Recomendações
- Incluir dispositivo que assegure a autonomia das polícias estaduais e a não interferência federal fora dos casos legais e formais.
- Regulamentar com mais clareza o alcance das atribuições das guardas municipais, para evitar sobreposição e conflitos com outras corporações.
- Detalhar em exposição de motivos os efeitos da revogação do art. 144, III e §3º.
- Especificar a governança do sistema único de segurança pública, incluindo mecanismos de participação federativa e social.
- Prever a atuação conjunta com o Ministério Público e o Judiciário na fiscalização e controle externo dos órgãos de segurança.
Conclusão
A minuta representa um passo importante rumo à modernização do sistema de segurança pública, mas precisa de ajustes conceituais, operacionais e jurídicos para garantir segurança jurídica, respeito ao pacto federativo e eficácia institucional. O avanço do controle social, integração federativa e transparência é louvável, mas deve vir acompanhado de limites normativos claros para evitar abusos de poder ou conflitos de competência.
Por : Daltro Quadros Duarte -Vice presidente da ASSTBM
Diretor Jurídico da ASSTBM