Com salários parcelados, policiais civis e militares e professores que foram ao protesto nesta quarta-feira apelaram, em sua maioria, a empréstimos
A realidade dos servidores estaduais, atingidos pelo parcelamento de salários no governo José Ivo Sartori (PMDB), está cada vez mais complicada. Como os próprios servidores estão dizendo, o clima é insustentável e beira o caos. O calendário de pagamento, reinventado pelo Piratini, traz transtornos e, por consequência, implica na necessidade de uma reavaliação do que passa a ser prioridade no dia a dia dos servidores.
O “Diário” traz, nesta reportagem, como está a vida de funcionários públicos das principais categorias afetadas pelo parcelamento: Polícia Civil, Brigada Militar e professores. Frente a um cenário de adversidade e de intranquilidade financeira, a combinação entre parcelamento salarial e indefinição no horizonte traz como saldo o medo e o temor por um futuro cada vez mais incerto.
Na tarde desta quarta-feira,em meio a um cenário de protesto em Santa Maria, o “Diário” conversou com dezenas de funcionários afetados pela medida do Piratini. A seguir, confira como alguns deles estão driblando a crise.
Saída é pedir compreensão dos credores
Às vésperas do anúncio do parcelamento dos salários dos funcionários públicos estaduais, no final do mês passado, o governador José Ivo Sartori (PMDB) pediu a “compreensão de todos”. O inspetor da Polícia Civil André Floresta, 48 anos, apropria-se da declaração do peemedebista e faz uma adaptação ao dizer que seguirá a máxima do Piratini e pedirá “compreensão dos credores”:
– Se nós, os funcionários, temos de ter compreensão, podemos pedir o mesmo de bancos e credores. Não é mesmo? Mas o servidor não é como ele (Sartori) e honra com os seus compromissos.
No entanto, para poder manter o nome limpo, como repetem os servidores, o inspetor afirma que teve de recorrer a um empréstimo bancário de R$ 2 mil. O valor será, basicamente, para pagar as contas de água e luz. O que não torna o quadro dele tão insustentável é o fato de ele não pagar aluguel.
Porém, o servidor e a mulher, que também é escrivã e teve o vencimento fracionado, têm uma filha que estuda em Santa Cruz do Sul. Lá, a jovem precisa ser mantida, gerando custos com o aluguel e o pagamento do curso de Ensino Superior dela.
– O grosso dos nossos salários foi para saldar as contas básicas nossas e manter a nossa filha estudando.
O casal ainda tem que honrar as parcelas mensais do financiamento do carro, um Nissan 2013, no valor de R$ 700.
Categoria unida até no empréstimo
Dos 20 professores estaduais ouvidos pelo “Diário” na quarta-feira, 12 sinalizaram que já fizeram empréstimos financeiros em decorrência do parcelamento dos salários. Outros quatro afirmaram que, nos próximos dias, irão recorrer aos bancos. E os quatro restantes disseram já acumular outros empréstimos para poder passar o mês.
Os educadores não quiseram se identificar por temor de represália da 8ª Coordenadoria Regional de Educação (8ª CRE). Uma educadora, que ganha R$ 2,8 mil, revelou à reportagem ter feito um empréstimo de R$ 1 mil. Ela, que é professora de geografia em uma das maiores escolas de Ensino Médio da cidade, diz que, tão logo parte do salário entrou na sua conta, teve de fazer escolhas.
– Pagar o aluguel? Garantir o mercado do mês? Vivemos uma escolha que é diária e terrível de ser feita – resume a educadora.
Outra professora, que tem dois contratos e que, juntos, somam quase R$ 4 mil de salário, afirma não ter dinheiro para ir ao mercado e para comprar os medicamentos controlados que ela precisa regularmente tomar. Até o fim da semana, ela, que já tem um empréstimo, terá de aumentar a bola de endividamento. Entre os compromissos, estão um aluguel de R$ 1 mil e a faculdade de uma filha, de quase R$ 1,1 mil mensais.
– O que estamos vivendo não é nem um calvário, mas, sim, um inferno – sintetiza a professora com 23 anos de magistério.
Com mestrado em História, outra professora afirma já cogitar recorrer a um empréstimo bancário até o fim desta semana:
– Quem vai ganhar com isso tudo é o banco. Seguimos com o pescoço na guilhotina.
Não há dinheiro nem sequer para o básico
O policial militar e 1º tenente Helio Valdoir Vieira Soares, 68 anos, vive uma realidade que parece ser a mesma entre os colegas da ativa e da reserva da Brigada Militar: a incapacidade de poder quitar os seus compromissos mensais.
Com um salário de R$ 4 mil, Soares vive, a exemplo de tantos outros colegas brigadianos, no limite. Aliás, o limite que tem lhe dado sobrevida diária vem do banco. Frente a uma lista de compromissos, o policial priorizou, neste momento, as seguintes contas: aluguel (R$ 1,4 mil), condomínio e a conta de luz. Essas obrigações, por si só, consomem boa parte da totalidade da primeira parcela que ele recebeu no final do mês passado.
Recentemente, o policial – que se soma aos 41 mil da Brigada Militar que tiveram os contracheques parcelados – não hesitou: recorreu ao Banrisul para fazer um empréstimo para poder saldar as demais contas. Lá, foi contraído um empréstimo de R$ 4,4 mil. Com esse dinheiro, ele irá garantir as compras do mês no mercado, que, em média, passam de R$ 1 mil. O recurso também será usado para pagar o financiamento do carro, um Ka modelo 2012, que custa a ele R$ 800 mensais. O militar, que já teve dois AVCs (Acidente Vascular Cerebral), ainda toma oito medicamentos controlados que, juntos, passam da casa de R$ 1 mil.
O aposentado mora com a mulher, que também é funcionária do Estado. Porém, ela não entrou na leva dos que tiveram o vencimento parcelado, diz Soares. O casal tem um filho. Os dois ainda se dividem para pagar o curso de Direito do filho.
Confira, em fotos, como foi o dia de manifestação em Santa Maria:
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