Os sindicatos condenam a falta de alternativas para o aumento da arrecadação, como o combate à sonegação ou estratégias de cobrança da dívida ativa.
Um projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) Estadual enviado pelo governo do Rio Grande do Sul à Assembleia Legislativa pretende limitar os gastos dos três poderes com o funcionalismo público.
A justificativa é o equilíbrio financeiro do caixa, que em 2015 já levou o governador José Ivo Sartori (PMDB) a parcelar salários e aumentar as principais alíquotas do ICMS no Estado.
Embora o projeto de lei complementar 206/2015 inclua no conceito de “responsabilidade na gestão fiscal”, o controle de despesas com renúncias fiscais e o pagamento da dívida, entre outras, o foco do texto é realmente o salário dos servidores – há uma curta menção à limitação de isenções fiscais, mas que gera dupla interpretação entre advogados, porque “deixa brecha para a concessão e ampliação de benefícios já existentes mesmo em final de mandato do chefe do Poder Executivo”.
A medida que mais preocupa os sindicatos é a que acrescenta punições ao Estado no caso de as contas públicas ultrapassarem os limites determinados pela Lei de Responsabilidade Fiscal federal (101/2000), editada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Pela regra federal, ao se aproximar do percentual máximo permitido para despesas com pessoal – situação em que se encontra o governo gaúcho no momento –, o poder público não pode mais contratar ou repor funcionários, nem determinar o pagamento de horas extras.
Na LRF gaúcha, mesmo depois da aplicação dessas determinações e do retorno a um patamar menor de comprometimento da receita, o poder público não poderá conceder reajustes ao funcionalismo.
Segundo o texto, no primeiro orçamento subsequente ao ajuste, o empenho para gastos com pessoal “não poderá ultrapassar a despesa no exercício financeiro anterior para a mesma destinação” – ou seja, os salários ficarão congelados. Há uma ressalva no texto proposto, de que o valor deverá ser corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou seja, haverá reposição da inflação, porém, as lideranças sindicais desconfiam que essa norma esconda um arrocho.
É que não há menção no PLC ao crescimento vegetativo da folha, que é de cerca de 3% ao ano. Esse percentual é quanto aumenta a folha em razão dos benefícios das carreiras – bônus por permanência, promoções, etc. Ou seja, se o reajuste concedido for igual ao IPCA, sem contabilizar também o crescimento vegetativo, as categorias do funcionalismo público não estarão sequer recebendo a reposição para a inflação.
“É o desmonte do serviço público no Rio Grande do Sul”, condena a presidente do Cpers Sindicato, que representa os professores da rede pública estadual.
Reajustes ameaçados
O exercício para sentir o impacto é simples. Como já está próximo do limite de despesas com pessoal previsto na LRF nacional, o Estado deveria cumprir as determinações para se ajustar em 2016. Pois bem, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do próximo ano, já aprovada na Assembleia Legislativa, a previsão de despesas com pessoal é apenas suficiente para cobrir o crescimento vegetativo, sem a reposição da inflação – uma perda que poderia chegar a 6%.
No caso de aplicação do PLC 206, o ajuste se estenderia ao ano seguinte, 2017, e obrigaria o poder público a aplicar somente a variação do IPCA, excluindo neste caso o crescimento vegetativo.
O cenário piora se o cálculo é aplicado ao magistério. Atualmente, o Cpers calcula que os professores recebem, em média, 52% a menos do que determina o piso nacional da categoria. O pedido do sindicato foi que a LDO de 2016 incluísse, pelo menos, o aumento de 13,01% apregoado pelo MEC – mas elevaram só os 3% do crescimento vegetativo. A perspectiva para os exercícios seguintes só não é desesperadora porque há um item no PLC que diz que decisões judiciais não estariam incluídas no contingenciamento. “O piso do magistério é reconhecido constitucionalmente, então poderia haver uma interpretação aí”, acredita o advogado Marcelo Oliveira Fagundes, do escritório Buchabqui e Pinheiro Machado, que presta consultoria a sindicatos de trabalhadores.
Outro ponto que causa apreensão, é o que determina a anulação de qualquer ato “que resulte em aumento da despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato”, vedando reajustes parcelados para os anos seguintes.
Para os servidores, esse trecho poderia ser utilizado pelo governo como argumento para negar os aumentos salariais de servidores dados de forma escalonada pelo governo anterior, como é o caso da segurança pública.
O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa, deputado Gabriel Souza (PMDB), que é do partido do governador, rejeita essa tese. “Não será retroativa, é um princípio constitucional”, assegura.
Estratégia criticada
O PLC 206/2015 vincula também a concessão de aumentos a até 25% do crescimento real da receita corrente líquida – que passará a ser auferido pelo mesmo IPCA.
Ocorre que segundo a Secretaria da Fazendo da Rio Grande do Sul, o Estado apresentou déficit nas suas contas em 37 dos últimos 44 anos, ou seja, a arrecadação não vem sendo suficiente para manter os serviços operando.
A estratégia do governo Sartori é reduzir o tamanho do Estado para economizar. Já tramitam na Assembleia projetos de extinção de órgãos públicos como a Fundação Zoobotânica, a Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps) e a Fundação de Esporte e Lazer do RS (Fundergs). Há também um estudo para privatizar o zoológico de Sapucaia do Sul.
Os sindicatos condenam a falta de alternativas para o aumento da arrecadação, como o combate à sonegação ou estratégias de cobrança da dívida ativa.
“Geralmente, o discurso da crise vem da oposição, como uma crítica à imobilidade do governo. No Rio Grande do Sul essa lógica se inverte: aqui, quem diz que tem crise é o próprio governo, que tem compromisso com as privatizações e a redução do Estado”, condena o presidente da Afocefe Sindicato, que reúne os técnicos da Fazenda estadual, Carlos De Martini Duarte.
Estima-se que o Rio Grande do Sul tenha perdido, em 2014, R$ 7 bilhões com a sonegação de impostos – mais do que o dobro do déficit previsto para 2016 nas contas públicas. Em 2015, a Secretaria da Fazenda conseguiu autuar, no primeiro semestre, empresas que devem R$ 1 bilhão em impostos não pagos ao Tesouro estadual. Quanto à dívida ativa, no Rio Grande do Sul ela já soma R$ 30 bilhões.
Outro ponto de questionamento é a destinação de 13% da receita líquida para o pagamento da dívida pública com a União – e de seus juros. “Não há dinheiro para pagar o funcionalismo público, mas, em compensação, R$ 3,5 bilhões são religiosamente depositados no bolso dos banqueiros”, alerta o auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Ricardo Silva de Freitas.
Executivo pode pedir urgência
Por enquanto o PLC 206/2015 tramita vagarosamente na Assembleia. O texto foi protocolado no Legislativo no final de junho – em 15 dias o relator na CCJ, Gabriel Souza, emitiu seu parecer favorável à matéria.
Mas desde então o texto foi colocado em banho-maria, e inclusive deputados da base governista pedem vistas ao projeto na comissão para postergar a discussão em plenário. É que não faltam polêmicas para o governo gaúcho resolver – a discussão do momento é a que tenta reduzir o limite para pagamentos de Requisições de Pequeno Valor (RPVs), que tem regime de urgência e tranca a pauta do Parlamento.
Mas a expectativa é que assim que o debate sobre as RPVs for encerrado, o governo peça urgência para o PLC 206 – se a polêmica matéria entrar 2016 sem ser votada diminuem as chances de aprovação em razão das eleições municipais.
Mas não vai ser fácil convencer a base governista a votar com o Piratini: em 2007, a ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) protocolou matéria muito semelhante na casa. Foi derrotada por unanimidade.