Medidas adotadas pelo governo Sartori levam risco ao futuro do caixa estadual

Sartori aposta em ações que ameaçam o equilíbrio fiscal do Estado Foto: Tadeu Vilani / Agencia RBS
Sartori aposta em ações que ameaçam o equilíbrio fiscal do Estado
Foto: Tadeu Vilani / Agencia RBS

Ao antecipar receitas para pagar salários de servidores públicos, Piratini põe em dúvida cumprimento de compromissos para os próximos anos

Aposta do governo de José Ivo Sartori para pagar os salários do funcionalismo, a antecipação de receitas futuras apresenta um quadro dúbio: permite honrar as contas de hoje, mas coloca em risco o cumprimento dos compromissos dos próximos anos.

Para especialistas, a estratégia é arriscada e somente dará certo se combinada com medidas que resultem no equilíbrio entre receitas e despesas, além da retomada do crescimento econômico. Ao mesmo tempo, existe a avaliação de que o Palácio Piratini se encontra em um beco sem saída, restando a antecipação de receitas como alternativa.

A Assembleia aprovou o projeto de lei que autorizou o governo Sartori a antecipar o recebimento de R$ 334 milhões da General Motors (GM), que teve desconto para devolver antes do prazo recursos que foram obtidos por meio de incentivos fiscais do programa Fomentar RS. O montante deveria ingressar nos cofres estaduais nos próximos 20 anos, mas o Piratini negociou a celeridade da quitação com a GM para usar o dinheiro no acerto dos salários de novembro. Sem isso, a folha do funcionalismo teria de ser parcelada novamente.


A receita salvou o mês, mas não estará mais disponível no futuro.

– Óbvio que a antecipação fará falta, mas o Estado terá tempo para readequar a situação financeira, crescer economicamente e compensar a perda de arrecadação futura – opina André Azevedo, professor da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos.

Para estudiosos das finanças públicas, um dos problemas é que o Estado historicamente se limita às medidas paliativas, como a antecipação de receitas, para resolver questões emergenciais, sem um olhar estratégico para o futuro.

– É razoável você fazer uma tapa-buraco de curto prazo, desde que tenha medidas concretas para não ficar repetindo isso a vida inteira. Não há problema em pegar o dinheiro da GM, contanto que o governo esteja ajustando as contas para não precisar mais de paliativos lá na frente – analisa Marcelo Portugal, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS.


Reordenamento da máquina pública e controle de gastos

Para Marcelo Portugal, a solução definitiva para os problemas financeiros do Rio Grande do Sul passa por um reordenamento da máquina pública, com controle de gastos.

– O governo precisa criar uma regra que diga que o total da despesa corrente não pode crescer mais do que a taxa de inflação do período. Também precisaria fazer uma reforma no Estado para se livrar de uma série de empresas públicas que não servem mais para nada, só geram passivos trabalhistas – diz Portugal, defendendo extinções e privatizações.

Para Fernando Ferrari Filho, presidente do Conselho Regional de Economia e professor da UFRGS, apostar exclusivamente no enxugamento da máquina pública poderá se mostrar um equívoco.

– Insistir somente na austeridade fiscal, corte de gastos, seja dos investimentos ou programas sociais, é um tiro no pé. É uma estratégia que não gera aumento de receita e não expande a atividade econômica. A questão é saber se o governo tem condição de investir. Se não tiver, precisa dinamizar as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e as concessões como forma de alavancar o investimento do governo do Rio Grande do Sul, que é um dos mais baixos do país – diz Ferrari.

André Azevedo ressalta que o setor de infraestrutura é um dos mais carentes de aportes de recursos, gerando uma série de gargalos. Se eleito como um dos focos prioritários de PPPs e concessões, poderá iniciar um ciclo de retomada econômica.

Iniciativas podem gerar desfalques

Além da antecipação de receitas da GM, o governo Sartori adotou outras medidas emergenciais para gerar receitas e reduzir despesas no curto prazo. São iniciativas que irão ajudar a financiar o pagamento do funcionalismo no seu governo, mas poderão gerar desfalques no futuro. Entre elas, estão o aumento temporário das alíquotas de ICMS até o final de 2018, a redução do teto das Requisições de Pequeno Valor (RPVs), que irá elevar da dívida de precatórios, e o atraso no pagamento de fornecedores.

Também se destaca a ampliação do limite de saque da conta dos depósitos judiciais. Antes, o Piratini tinha autorização para tomar 85% do total depositado nesta conta. Sartori subiu a margem para 95%. Ele já retirou R$ 1,8 bilhão deste fundo, onde fica o dinheiro de terceiros envolvidos em disputas judiciais, para quitar salários. E o Estado paga juros sobre os montantes sacados.

– Quando você antecipa uma receita, o objetivo é cobrir o curto prazo. Ao mesmo tempo, se faz a aposta de que a economia terá um comportamento melhor no futuro, com a crença de que em cinco ou 10 anos teremos um círculo virtuoso que naturalmente garantirá o crescimento das receitas. Com isso, seriam compensadas as receitas antecipadas. Mas, se a situação da economia continuar crítica, vai ser criado um problema. Aí estará sendo trocado o equilíbrio do presente pelo desequilíbrio do futuro. Esse seria o pior dos quadros. É uma aposta arriscada. Na vida, tudo é incerto. Na economia, mais ainda – projeta Ferrari.



Feltes: “Vendemos o futuro para pagar o passado”

Secretário da Fazenda diz que governo está fazendo o dever de casa para superar a crise (Foto: Roni Rigon / Agencia RBS)

Porta-voz do governo Sartori quando o assunto é crise, o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, admite que a antecipação de receitas não é o caminho ideal, mas faz ponderações.

– Estamos vendendo o futuro para pagar o passado. Do ponto de vista da gestão, não é o mais recomendável. Mas temos de observar o caráter emergencial do momento, o tamanho da crise e do desequilíbrio. A gente não pode deixar de dizer que temos receita em queda, por conta de uma economia absolutamente frustrada e recessiva, e uma herança que causou elevação de despesa, comprometendo os próximos anos – esquivou-se Feltes.

Para o secretário, o governo Sartori está fazendo o dever de casa para superar a crise financeira ao combinar medidas como o corte de gastos, desde horas extras até passagens aéreas, com alterações estruturais na máquina pública.

– Sartori teve a coragem de propor alterações significativas sem se preocupar com patrimônio político e eleitoral. Pode demorar um pouco, mas os resultados vão aparecer. Fizemos um orçamento realista (com previsão de reajuste zero de salários), enviamos à Assembleia a Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual (que proíbe gastar mais do que se arrecada). Essas medidas, aliadas a outras que o governo irá propor, vão de longe superar, em termos de receita, as ações de curto prazo que estamos tomando pela situação de emergência, como a antecipação de receita – assegura.

O secretário sinaliza que não será possível superar a crise sem medidas de apoio do governo federal. A principal cooperação de Brasília, entende Feltes, deveria ter foco na revisão da dívida com a União, que retira R$ 270 milhões dos cofres do governo gaúcho ao mês. O Planalto promete regulamentar a renegociação da dívida aprovada no Senado no final de 2014, que abriria espaço fiscal para novos empréstimos e reduziria o resíduo a ser pago no futuro. No momento, porém, não mudaria o montante quitado mensalmente. A avaliação do Piratini é de que esse acordo, se cumprido, não bastará para resolver a crise.

– Não sairemos desta sozinhos. A União precisa criar condições de inversão do quadro vivido pelos Estados – diz.

Ele costura com secretários da Fazenda de outras unidades uma alternativa: pedir ao governo federal uma carência de dois ou três anos em que a parcela mensal da dívida com a União deixaria de ser paga. Para compensar a perda de receita, o Planalto emitiria títulos do Tesouro e os venderia em organismos internacionais até alcançar o montante de R$ 33 bilhões – valor que é pago por todos os devedores à União em um ano. Essa alternativa é pouco provável, diante do cenário de crise e baixa credibilidade do país  no mercado internacional.

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