APOSENTADORIAS PODEM ELEVAR DÉFICIT NA BM PARA 52,1%
EM MEIO À ONDA DE VIOLÊNCIA que o Estado enfrenta, cerca de 3 mil policiais militares podem ir para a reserva neste ano, o que reflete em menos operações e prisões, além do aumento de crimes como roubos e assassinatos
A situação já é crítica, mas pode se agravar. A Brigada Militar começou 2016 com o menor número de servidores em três décadas e corre risco de fechar o ano com menos da metade do efetivo previsto, recorde negativo em sua história recente. O déficit no quadro de funcionários tende a se aprofundar caso se confirmem 3 mil baixas na corporação por conta de aposentadorias e a suspensão de contratação de novos funcionários, o que por, consequência, propiciaria o aumento da insegurança e a escalada da violência no Estado. A expectativa do comando-geral da BM é de que isso não aconteça (leia entrevista ao lado).
O emagrecimento forçado da tropa influi negativamente na prestação de serviços. Conforme dados da Lei 11.343/99, a chamada Lei Postal, que determina a divulgação de indicadores da segurança pública, a BM, em 2015, reduziu o número de operações e de policiamento em locais de diversão pública e em estabelecimentos de ensino, além de diminuir as prisões e as fiscalizações de veículos, em comparação com 2014. Em paralelo, cresceram homicídios, latrocínios, roubos de carros e assaltos.
Com menos policiais, a corporação está fechando postos de atendimento na Capital e formando patrulhas únicas com PMs de cidades vizinhas no Interior (leia na página ao lado).
Os pedidos de saída pelos PMs triplicaram em 2015 em relação a 2010, e a possibilidade de 3 mil servidores abandonarem a farda neste ano é baseada em uma projeção que leva em conta os policiais com direito a ir para a reserva ao completar 30 anos de trabalho (ao menos 25 deles, na BM). É um número elevado. Afinal, em 1991, a corporação teve o contingente mais expressivo: somava 29.962 servidores, com déficit de apenas 2,4% ou 718 PMs para alcançar o quadro de pessoal – marca que a Brigada jamais conseguiu atingir.
A escassez se tornou ainda maior nos anos seguintes porque a lei que estabelece a quantidade de servidores é atualizada, elevando a previsão de servidores em razão da evolução populacional. Desde então, apesar de reposições, o número de PM só reduziu. O ponto crítico ocorreu em 1996, quando, estimulados por um plano de demissão voluntária, 1,8 mil PMs deixaram a BM, e ninguém ingressou.
CRISE ECONÔMICA REFLETE DIRETAMENTE NA RETIRADA EM MASSA DE BRIGADIANOS
Vinte anos depois, isso pode voltar a acontecer de forma ainda mais contundente. O principal fator para a “batida em retirada em massa” é consequência da crise econômica que atinge o país, sobretudo os cofres do Piratini. Sem dinheiro nem sequer para pagar salários em dia, o governo de José Ivo Sartori vem tomando duras medidas que atingem em cheio a BM desde o ano passado.
Entre outras iniciativas, Sartori vetou a contratação de novos PMs – tem 2,5 mil candidatos aprovados em concurso esperando chamada para o curso de soldado desde 2014 – e congelou promoções, normalmente feitas, duas vezes ao ano – ontem, Dia de Tiradentes, patrono das polícias no Brasil, e em 18 de novembro, aniversário da BM.
– Temos centenas de soldados que aguardam promoção para sargento desde abril do ano passado. Dependendo do tempo de serviço, acumulam prejuízos de R$ 400 mensais, sem falar de perdas nas férias e no 13º salário – lamenta Ricardo Agra, secretário-geral da Associação Beneficente Antônio Mendes Filho, entidade que representa os soldados da BM.
O aperto nas contas do Estado inclui a redução de pagamento de horas extras, alternativa para manter um certo padrão de policiamento, mesmo com efetivo insuficiente, e de melhorar os ganhos dos PMs. O governo também limitou o abono-permanência, uma gratificação criada para praças (soldados e sargentos) que optarem pela continuidade na atividade após atingirem o tempo de serviço necessário para a reserva. O incentivo acrescenta até R$ 1,8 mil no contracheque e foi instituído para que o praça prorrogue o pedido de aposentadoria, cujo direito inclui promoção a um posto acima, ou seja, vai para casa ganhando mais.
A escassez de mão de obra na Brigada Militar tem forçado o comando da corporação a fechar quartéis, em especial, em Porto Alegre, a adotar um novo sistema de policiamento no Interior e, até a fechar, temporariamente, bases do Corpo de Bombeiros. Na Capital, já são pelo menos quatro postos de portas cerradas: na Vila Nova, no bairro Ipanema e no Morro Santa Tereza, todas na Zona Sul, e no bairro Bom Fim, na área central.
O fechamento dos postos, segundo justificativa de oficiais da Brigada Militar, visa a otimizar recursos porque os prédios dariam falsa sensação de segurança e exigem a presença permanente de PMs, ao passo que, fechados, permitem aos policiais patrulhar ruas.
O fim das atividades fixas no posto, vizinho ao Parque da Redenção e ao Hospital de Pronto Socorro (HPS), provocou protestos de moradores e comerciantes, no começo do mês, mesmo com a promessa da BM de garantir o policiamento com equipes móveis.
O temor da população se intensificou nesta semana depois que um bandido armado entrou no HPS e disparou sete vezes contra um desafeto, internado horas antes.
– É muito triste o que está acontecendo. Nunca senti temor. Dias atrás, fui entrar no carro e percebi que estava com medo de caminhar onde vivo há 40 anos – lamenta a aposentada Aida Randazzo, moradora do Bom Fim.
No Interior, para tentar suprir a falta de PMs em pequenas comunidades, a BM criou a chamada Patrim (Patrulha Intermunicipal), que é a união de policiais lotados em municípios vizinhos, formando equipes para dar segurança às duas cidades. Na Serra, a tática adotada não tem conseguido conter crimes. Assaltos a bancos já somam 18 casos em 2016, considerado recorde nos últimos anos. Em alguns casos, os roubos ocorreram quando a cidade estava sem PMs.
A crise de pessoal também atinge o Corpo de Bombeiros (ainda subordinado à BM) que tem 2.350 servidores, contra previsão de 4.870. Na Capital, são 200 homens. A crise financeira também impede a criação de duas novas estações, previstas para serem construídas há quase uma década em dois bairros na Zona Norte.
Na Região Metropolitana e no Interior, a situação se mostra mais preocupante. Quartéis estão sendo fechados, em sistema de rodízio, por até 24 horas.
– A situação sobrecarrega o servidor que não presta serviço com a eficiência esperada e corre risco de se acidentar – reclama Ubirajara Pereira Ramos, da Associação de Bombeiros do Estado.
O comandante-geral dos bombeiros, tenente-coronel Adriano Krukoski, aguarda a regulamentação da autonomia da corporação (até 2 de julho) para pleitear mais investimentos e melhorias à equipe.
Comandante da Brigada Militar e presidente da Abamf repercutem aposentadorias
Alfeu Freitas e Leonel Lucas falam sobre a situação da BM
A Brigada Militar pode chegar ao final de 2016 com 3 mil policiais a menos. Leia as entrevistas com o comandante-geral da Brigada Militar, Alfeu Freitas, e o presidente da Associação Beneficente Antonio Mendes Filho (Abamf), Leonel Lucas.
“Falta estrutura e armamento”, diz Leonel Lucas, presidente da Abamf
Há previsão de 3 mil PMs se aposentarem em 2016. Quais os motivos?
Leonel Lucas: Estamos calculando mais do que 3 mil. No ano passado, não teve promoções, e neste ano, também não há expectativa. Isso dá um desânimo grande. São 20, 30 pedidos de aposentadoria por dia. Também tem a falta de estrutura, não tem investimento, não tem viatura nova, coletes, armamento. As horas extras estão cortadas.
No Interior, PMs se reúnem para fazer patrulhas. Não há prejuízos com isso?
Leonel Lucas: Eles não fazem porque não têm gasolina. As viaturas só saem para atender ocorrências. O comando dizia que a viatura ia fazer patrulhamento em quatro, cinco cidades. Só vão onde tiver ocorrência.
O senhor percebe ações do comando da BM para tentar evitar essas aposentadorias? Há pedido de recursos?
Leonel Lucas: Temos visto o esforço do coronel Freitas (comandante-geral, Alfeu Freitas) pedindo hora extra. Os PMs tinham o abono-permanência, que foi cortado, a gente vê ele pedindo. Esse abono é o principal ponto para os brigadianos (pedirem para sair).
Em 2015, já houve redução de policiamento, enquanto crimes aumentaram.
Leonel Lucas: Até crimes contra PMs aumentaram. A impunidade está tão grande que os bandidos se fortalecem. A ONU diz que deve haver um PM para 1 mil habitantes. Temos aqui, com efetivo de 15 mil PMs no policiamento, um para 76 mil pessoas.
“O efetivo está diminuindo, é fato”, diz Alfeu Freitas, comandate-geral da Brigada Militar
Há previsão de 3 mil PMs se aposentarem em 2016. Como avalia a situação?
Alfeu Freitas: É preocupante para nós. A falta de efetivo faz com que tu tenhas menos condições de atender com qualidade, por isso, temos de aperfeiçoar o atendimento.
No Interior, PMs de diferentes cidades se reúnem para montar patrulhas. Isso não traz prejuízo para algumas cidades?
Alfeu Freitas: Estou com cobertor curto, então tenho que bem empregar. Nenhuma comunidade fica sem atendimento. O fato de não haver PM não significa que a Brigada não estará presente. Por isso, se qualifica o emprego.
A Abamf diz que essas patrulhas não funcionam pois falta combustível.
Alfeu Freitas: Não há problema. Se hoje um cartão está sem crédito, é por problema administrativo de alguém que deixou de tomar uma providência. Não é falta de recurso. Não que tenha gasolina sobrando.
O que a BM tem feito para evitar as aposentadorias?
Alfeu Freitas: Temos conversado bastante com o governador, que se mostra muito preocupado, para que tenhamos condições de chamar esses 2 mil aprovados em concurso. Temos requerimentos tramitando para concessão do abono o mais rápido possível.
Postos e quartéis estão fechando.
Alfeu Freitas: Nossa função é móvel, não estática. Um PM num posto está parado. Suspendemos temporariamente, não estamos fechando.
ZERO HORA