Jaqueline Silveira
“A vida ficou banal.” A frase do presidente da Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar e Bombeiros do Rio Grande do Sul (Asstbm), Aparício Costa Santellano, reflete a violência que toma conta de Porto Alegre e do restante do Estado. A manifestação foi feita durante a instalação do Comitê Permanente de Segurança Metropolitana, na manhã desta terça-feira (19), na Câmara de Vereadores da Capital, justamente para debater ações com o fim de frear o crescimento da criminalidade. Constituído por mais de 10 órgãos e entidades, o comitê se reunirá uma vez por mês. O próximo encontro deverá ocorrer no dia 18 de maio com a participação de um especialista internacional em segurança para apresentar sua experiência no combate à violência. O órgão será divido em subcomitês com objetivo de promover reuniões nos municípios e bairros, coletando reivindicações e propostas a serem tratadas nas reuniões mensais. No final, o comitê irá elaborar um Plano Integrado de Segurança Pública Metropolitano.
Na abertura, o presidente da Câmara, Cassio Trogildo (PTB), defendeu o envolvimento dos municípios da Região Metropolitana para traçar ações, já que das 19 cidades mais violentas no Rio Grande do Sul, 15 se concentram ao redor da Capital. “Não temos a pretensão de encontrarmos aqui alguma fórmula mágica, mas a tentativa de formarmos um embrião para um Plano Integrado de Segurança para toda a Região Metropolitana”, anunciou ele. O vereador relembrou que recentemente foi divulgado um levantamento por uma ONG mexicana em que aponta a capital gaúcha como a 43ª mais violenta do mundo. “Isso apenas materializa o que sentimos no dia a dia”, completou Trogildo. O mesmo levantamento, frisou ele, revelou que, com base em dados de 2015, a taxa de homicídios na Região Metropolitana foi de 34,5 assassinatos para 100 mil habitantes. “Não podemos ficar de braços cruzados, é preciso resistir e reagir”, pregou o presidente do Legislativo.
Crime compensa
Representando a Assembleia Legislativa, o deputado Maurício Dziedricki (PTB) defendeu que segurança pública tem de ser política de Estado e não de governo. “É dever do Estado, independente de qual governante, colocar todos os esforços para resolver a crise. Não podemos fazer esse enfrentamento sozinhos”, enfatizou Dziedricki, elogiando a iniciativa de criação do comitê. Do Comando-Geral da Brigada Militar, o coronel Alberto Iriart comentou que a criminalidade é um tema que está presente na cobertura da imprensa como no “dia a dia de cada um.” Do ponto de vista do policial, ele defendeu que a violência começa na impunidade, e completou: “Aquela máxima de que o crime não compensa, é uma máxima de filmes.” Quanto à valorização dos policiais, conforme o coronel, ela tem de ocorrer não só pelos “entes públicos, mas pela sociedade.”
Zona de conforto
Presidente do Fórum Latino-Americano do Consumidor, Alcebíades Santini disse que não se deve encontrar culpados para o problema da segurança e, sim, pensar de forma coletiva para buscar alternativas. “Nós todos estamos perdendo, com exceção de quem nos assalta”, observou ele, conclamando todos a sair da “zona de conforto”. Já o presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Gilberto Schäfer, disse que as instituições têm de refletir sobre as contribuições que podem dar em seu âmbito. Ele informou que a Ajuris já solicitou ao TJ à criação de uma vara especializada em lavagem de dinheiro. “É preciso sufocar o crime organizado cortando suas fontes de receita. O combate à corrupção é estratégico para combater os crimes dela resultantes,” esclareceu Schäfer. A falta de presídios, segundo ele, também tem de ser enfrentada. A Ajuris, segundo ele, já pediu uma agenda com o governo José Ivo Sartori para tratar do assunto, mas até agora não foi atendida.
Não há como fazer segurança
As manifestações mais contundentes durante a instalação do comitê partiram dos representantes dos policiais que trabalham na rua. “Não tem como trabalhar sem coletes e sem viaturas”, afirmou o presidente da Associação de Cabos e Soldados (Abamf), Leonel Lucas. Os policiais, segundo ele, tentam superar as dificuldades para garantir a segurança da população diante dos salários parcelados e da ameaça de terem a energia elétrica ou água cortada de suas casas por falta de pagamento. Por recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), o ideal seria um PM para mil habitantes, entretanto, de acordo com Lucas, o Estado conta hoje com um policial para 75 mil habitantes. “Não temo como fazer segurança. Nós temos primeiro de ter segurança, para depois prestar segurança à população”, desabafou ele.
Investimento no servidor
Da Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar e Bombeiros do Rio Grande do Sul (Asstbm), Aparício Costa Santellano destacou que é preciso repensar o conceito de segurança pública, afirmando que atualmente não há planejamento para combater a criminalidade e nem investimentos no serviço de inteligência. Hoje, segundo ele, depois que ocorre o problema é que se pensa em como resolvê-lo. “O investimento principal é no homem e na mulher da segurança”, ressaltou Santellano, acrescentando que é preciso prioridade nas políticas para a área.
Ex-chefe de Polícia, Ranolfo Vieira enfatizou que as políticas para área de segurança têm de ser planejadas a curto, médio e longo prazo. No momento, na opinião dele, a prioridade é valorizar os servidores da segurança. Depois, o Estado tem de resolver o sistema penitenciário. “O Estado faz de conta que administra até a porta. Da porta para dentro, quem comanda é o crime”, disse Vieira, sobre a superlotação do Presídio Central, com 5 mil presos. A longo prazo, avaliou o delegado, é preciso fazer mudanças no sistema legal para resolver a questão da impunidade.