Normas de transição terá pedágio entre 40% e 50%
por Geralda Doca O GLOBO
BRASÍLIA – O governo já definiu um dos pontos mais polêmicos da reforma da Previdência, que todo brasileiro gostaria de saber: quem será atingido pelas mudanças e como. As novas regras — mais rígidas e que exigirão mais tempo de trabalho para se obter a aposentadoria — valerão para quem tiver até 50 anos de idade. Terão direito a uma regra de transição aqueles que tiverem 50 anos ou mais quando a reforma for promulgada. Nesse caso, haverá um pedágio entre 40% e 50%, ou seja, terão de trabalhar por um período adicional para requerer o benefício pelas normais atuais.
As linhas gerais da reforma da Previdência foram fechadas em reunião na última quinta-feira entre o presidente interino, Michel Temer, e os ministros da área econômica e da Casa Civil. O eixo é a adoção de uma idade mínima para a aposentadoria, de 65 anos, podendo chegar a 70 anos no futuro.
Também ficou decidido que mulheres e professores, que atualmente podem se aposentar antes dos demais trabalhadores, terão uma regra de transição especial, pela qual levarão mais tempo até que os critérios de aposentadoria se igualem aos dos demais trabalhadores.
A proposta foi antecipada ao GLOBO pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Ele contou que foi apresentado ao presidente um duro diagnóstico das contas do regime de aposentadoria, que ficaria inviável na próxima década se nada fosse feito.
— Estamos com um déficit crescente de forma exponencial e explosivo. Só que a receita da União não é explosiva. Logo, o déficit vai bater no limite máximo do que o orçamento suporta. Então, nós temos que puxar os efeitos dessa reforma para o mais próximo possível, sem sermos injustos, fazendo a transição — disse o ministro.
Segundo Padilha, o corte de 50 anos e o pedágio de até 50% (por exemplo, se faltam dez meses para a aposentadoria, o trabalhador teria de esticar em cinco meses o período na ativa para requerer a aposentadoria sob a legislação hoje em vigor) farão com que a transição entre as regras atuais e as novas dure 15 anos, considerado um prazo razoável para interromper a trajetória explosiva do déficit.
Foto: Camilla Maia / Agência O Globo
Por que a reforma é necessária
A Previdência registra rombo crescente: os gastos saltaram de 0,3% do PIB em 1997 para projetados 2,7% em 2017. Em 2016, o rombo é de R$ 143,6 bi (2,3% do PIB). A conta é insustentável, pois os brasileiros estão vivendo mais, a população tende a ter fatia maior de idosos e o número de jovens, que sustentam o regime geral, encolherá.
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Quem será afetado
Todos os trabalhadores ativos. Quem acabou de ingressar no mercado terá que obedecer regras rígidas; para quem já está trabalhando há mais tempo, cinco, dez, 20 anos, valerão as regras de transição. Aposentados e pessoas que vão completar os requisitos para pedir o benefício até a aprovação da reforma não serão atingidos.
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Quando as mudanças entrarão em vigor
Vai depender da aprovação da reforma no Congresso. O governo deve enviar a proposta ainda este ano, provavelmente entre setembro e outubro.
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Regras de transição
Definir as regras de transição e calibrar bem o peso das medidas de modo a não prejudicar muito quem está no mercado há mais tempo, mantendo efeito nas contas públicas, são as partes mais difíceis da reforma.
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Fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo Foto: Marcos Issa / Bloomberg News Idade mínima
No setor privado, os trabalhadores se aposentam com pouco mais de 50 anos, assim que completam o tempo de contribuição (35 anos, homens e 30 anos, mulheres). O governo quer fixar idade mínima, que deve ser de 65 anos, podendo chegar aos 70 para novas gerações. No funcionalismo, já há idade mínima (de 60 anos, homens e 55 anos, mulheres).
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Idoso observa preço de refrigerantes em supermercado no Rio Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo Diferença de regras entre homens e mulheres
As mulheres podem se aposentar antes dos homens (com cinco anos a menos). O governo pretende reduzir essa diferença para três anos e, no futuro, igualar as regras para homens e mulheres, como acontece na maioria dos países.
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Proteste alerta para armadilhas dos cursos livres Foto: Divulgação Aposentadorias especiais
A ideia é acabar com a diferença de cinco anos a menos para professores. As regras também devem ficar mais rigorosas para quem exerce atividades de risco ou lida com agentes nocivos, que hoje pode pedir o benefício aos 15, 20 ou 25 anos de serviço. PMs e bombeiros também podem se aposentar mais cedo, mas as mudanças são de competência dos estados.
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Consumidora atenta. Nádia Lopes está sempre de olho nos preços e na validade dos produtos que leva para casa Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo Pensão
A pensão por morte, que é integral, deve ser reduzida para 60%, mais 10% por dependente, para todos os trabalhadores.
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Agricultora trabalha em plantação em Teresópilis Foto: Custódio Coimbra/7-4-2015 / Agência O Globo Trabalhadores rurais
Considerados segurados especiais, os trabalhadores das áreas rurais podem se aposentar por idade (60 anos homens e 55, mulheres), bastando apenas comprovação da atividade no campo. O governo quer que esse segmento também passe a contribuir para o regime, ainda que em condições mais facilitadas.
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Caminhada difícil. A aposentada Maria Valeria Franca sai pouco quando visita a filha no Rio, diante do estado das calçadas Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo Benefícios assistenciais
Idosos ou deficientes de baixa renda têm direito a um benefício assistencial mesmo sem nunca terem contribuído, o que é considerado injusto com os demais que contribuem. A ideia é também exigir algum tipo de contribuição e pagar um benefício um pouco mais proporcional.
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Notas de real Foto: Bloomberg Desvinculação do piso da previdência do salário mínimo
Por enquanto, o governo não pretende desvincular os benefícios previdenciários da política do reajuste do salário mínimo (que permite ganhos reais), apesar do forte impacto do reajuste do piso nas contas do INSS. O objetivo é evitar maiores resistências à reforma.
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Veículo blindado que foi usado durante ocupação da Maré, em 2014 Foto: Ivo Gonzalez/05-04-2014 Militares das Forças ArmadasA categoria deve ficar de fora da reforma por enquanto, também para não dificultar a aprovação das mudanças. Outro argumento é que as mudanças podem ser feitas à parte, via projeto de lei, sem ter que mudar a Constituição.
Para mulheres e professores, que terão tratamento diferenciado, a transição levará mais tempo. No caso das mulheres, foi uma decisão presidencial, apesar de viverem mais.
Padilha disse ainda que o governo pretende criar uma brecha legal para permitir que a idade de aposentadoria chegue aos 70 anos, dependendo da mudança demográfica, agravada pelo rápido envelhecimento da população brasileira. Ele explicou que o ponto de partida será 65 anos. Será definida uma regra de como ao longo do tempo o patamar poderá ser elevado, sem precisar passar pelo Congresso.
Ele reafirmou que a reforma pretende fixar regras únicas para todos os trabalhadores, mas que isso não significa que os regimes privado e do servidor serão unificados. Os militares das Forças Armadas também terão que cumprir a idade mínima de 65 anos, com mudanças nas carreiras para absorver o tempo maior na ativa. O governo ainda avalia como ficará a pensão das filhas, no caso em que os militares optaram por manter o benefício em 2001, pagando um adicional.
Já policiais militares e bombeiros, que não têm idade para se aposentar (só tempo de contribuição), não serão abrangidos pela reforma da Previdência. Caberá aos estados alterar as regras para essas categorias. O entendimento é que trazer essa questão para a Constituição poderá dificultar ainda mais o processo de aprovação no Congresso.
O ministro confirmou ainda que o governo pretende mexer nas regras da pensão por morte para todos os segurados (do INSS e servidores públicos): o valor do benefício cairá para 60%, mais 10% por dependente, no limite de 100%. Os benefícios assistenciais (Lei de Assistência Social, a Loas), pagos a idosos e deficientes da baixa renda, também passarão por mudanças. A idade de 65 anos deve subir e o valor do auxílio — correspondente a um salário mínimo independentemente de tempo de contribuição — será revisto.
A mudança, neste caso, valerá apenas para os novos beneficiários. A proposta prevê ainda uma cobrança de contribuição para os trabalhadores rurais, além do aumento da idade para aposentadoria (hoje mais cedo do que a dos demais).
FORÇA AO ACORDO COLETIVO
indagado sobre a resistência das centrais sindicais à reforma, Padilha respondeu que os interesses do cidadão vão se impor no Congresso:
— As posições das centrais e confederações serão mantidas, mas serão superadas. Ficarão acima das posições deles os interesses do cidadão, do João, da Maria, do José, que precisam saber como vão se aposentar.
Padilha disse que outra reforma prioritária do governo, a trabalhista, conterá apenas dois tópicos: prevalência do acordado sobre a CLT, com a valorização da negociação coletiva, e regulamentação da terceirização, inclusive nas atividades-fim.
— Vamos aprovar o projeto (de terceirização) que está no Senado e, se for o caso, a gente modifica, porque aquela aprovação na Câmara foi uma batalha campal e, neste caso, há muito risco, a gente pode ganhar ou perder.
Ontem, em entrevista a agências internacionais de notícias, Michel Temer afirmou que acha difícil que as reformas da Previdência e trabalhista sejam aprovadas ainda este ano. Porém, o presidente interino garantiu que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que impõe teto para os gastos públicos será votada ainda em 2016.