Da RBA SUL21
A proposta aprovada na quarta-feira (6), na Câmara dos Deputados, de criação de um foro especial para militares das Forças Armadas que pratiquem crimes dolosos – quando há intenção – contra a vida, durante a Olimpíada no Rio de Janeiro, no mês que vem, foi recebida com muita preocupação pela ONG Justiça Global. Para a pesquisadora Lena Azevedo, o projeto traz grandes riscos para a população e é parte de um processo de militarização da sociedade. “O projeto é de uma excepcionalidade que não se justifica. É uma licença para matar”, afirmou.
De acordo com o Projeto de Lei 5.768/2016, do deputado Esperidião Amin (PP/SC), será julgado por tribunal militar qualquer crime doloso praticado contra civil, por um militar do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, no cumprimento “de atribuição que lhe for estabelecida pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa”, ou em ação que envolva a segurança de instituição, missão ou atividade militar. Nesse pacote se inclui a segurança da Olimpíada no Rio, tanto no enfrentamento a um ato terrorista como a distúrbios civis.
O autor justificou que é preciso garantir segurança jurídica aos militares que atuam nessas operações, algo que não estaria garantido pelo Decreto-Lei 1001, de 1969. “Estando cada vez mais recorrente a atuação do militar em tais operações, nas quais, inclusive, ele se encontra mais exposto à prática da conduta delituosa em questão, nada mais correto do que buscar-se deixar de forma clarividente o seu amparo no projeto de lei.”
Lena ressaltou que esse tipo de “exceção” já foi aplicado à ocupação dos complexos de favelas da Maré e Alemão, pelo Exército. E teve como resultado a falta de transparência, a impunidade de militares acusados de homicídio doloso e processos arbitrários contra moradores das comunidades. Como exemplo ela cita o caso do jovem Vitor Santiago Borges, que ficou paraplégico e perdeu uma perna após o carro em que estava ser alvejado por tiros de fuzil, disparados por militares, na Maré, em fevereiro de 2015.
“A família nunca recebeu nenhuma informação e quando foi buscar descobriu que não existia nenhum processo sobre o caso na Justiça Militar. Ele figurava como testemunha de um processo por desacato a autoridade contra o dono do carro que ele estava no dia em foi vitimado. Os militares quase o mataram e nem sequer foram responsabilizados por isso”, comentou Lena.
A pesquisadora também ressaltou que houve vários processos por desacato a autoridade movidos por militares contra moradores das favelas, nos quais 25 pessoas foram condenadas, somente na Maré. “É impressionante. Em pelo menos sete casos havia testemunhos consistentes de que os militares usaram spray de pimenta, balas de borracha, agressões físicas contra as vítimas. Mas a Justiça Militar não levou esses relatos em consideração”, afirmou.
Na Justiça comum, casos de desacato frequentemente são convertidos em prestação de serviço à comunidade. Mas na Justiça Militar, a pena varia de seis meses a dois anos, com possibilidade de conversão a monitoramento, que obriga a pessoa a se apresentar periodicamente a um juiz militar. Que foi o que ocorreu com a maioria dos casos.
Para ela, ao se estender esse foro especial até o final do ano, a proposta desrespeita o princípio de garantia da Lei e da Ordem, descrito no próprio Código Penal Militar. Esse princípio vale somente no período do evento a que se dá segurança, como no caso de eleições, ou se o governo do Rio de Janeiro se declarasse incapaz de garantir a segurança, por uma greve da polícia, por exemplo.
A Olimpíada começa em 5 de agosto. E se encerra no dia 21 do mesmo mês. Mas o foro especial valerá para casos ocorridos até 31 de dezembro deste ano. “Esse processo vai trazer uma série de prejuízos à população, como já ocorreu no processo de pacificação no Alemão e na ocupação da Maré para a Copa do Mundo, mas que durou um ano e meio. Serão 23 mil militares com salvo-conduto para matar, em seis a oito favelas que ficam no ‘trajeto olímpico’, entre aeroportos, principais vias e o parque olímpico”, concluiu.