Morte do soldado Luiz Carlos da Silva em abordagem na Capital evidencia o fogo cruzado vivido nas ruas da região. O dobro de pessoas foram mortas em confrontos entre policiais e suspeitos no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2015
O final trágico de uma abordagem policial segunda-feira à tarde na Zona Sul de Porto Alegre, terminando com a morte do soldado Luiz Carlos Gomes da Silva Filho, 29 anos, está longe de ser uma exceção no cenário de violência da Região Metropolitana. Somente no primeiro semestre deste ano, 48 pessoas, entre policiais e suspeitos, morreram em confronto na região. É o dobro dos 24 casos semelhantes registrados no mesmo período do ano passado. Uma taxa, de acordo com o levantamento do Diário Gaúcho, em crescimento desde 2011, quando os dados começaram a ser coletados.
O soldado, que estava na Brigada Militar desde 2009 e atuava no Serviço de Inteligência da corporação, agia sozinho e sem farda quando abordou dois criminosos em um carro clonado. Tentou conter os criminosos e chegou a fazer um disparo contra a perna de um dos suspeitos, sem conseguir imobilizá-lo. O policial acabou surpreendido com tiros que lhe atingiram fatalmente a cabeça.
Pouco mais de dois meses atrás, outro confronto teve, por detalhe, um final diferente, mas igualmente trágico. Um intenso tiroteio entre policiais militares e criminosos armados com fuzil, submetralhadora e pistolas terminou com as mortes de quatro suspeitos e um PM ferido diante do Hospital Cristo Redentor, na Zona Norte da Capital. De acordo com a perícia, um disparo passou a centímetros sobre a cabeça de um dos policiais. Atingiu uma placa de trânsito.
Inferioridade
Em ambos os casos, havia inferioridade dos policiais. Em abril, era de armamentos. Nesta semana, inferioridade numérica do policial contra os suspeitos.
— Temos um terço dos policiais que deveríamos ter para atuar nas ruas. Estaremos sempre em desvantagem — critica o presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Brigada Militar, Leonel Lucas.
O argumento, porém, de acordo com o delegado Mauro Duarte de Vasconcelos, que coordena o curso de abordagem policial e tiro da Academia da Polícia Civil (Acadepol), não pode servir como justificativa para ações precipitadas.
— O policial tem treinamento para agir sob estresse. Ele precisa saber identificar o risco de confronto, e quando isso acontece, a prioridade precisa ser sempre sobreviver — afirma.
Mais ousados
Entre as 41 pessoas mortas por policiais no primeiro semestre na Região Metropolitana, 24 foram resultado de abordagens policiais, perseguições ou tiroteios. Exatamente o dobro dos casos do ano passado nesse período. Por outro lado, o soldado Luiz Carlos da Silva foi o primeiro policial militar morto durante uma abordagem policial neste ano.
Para Leonel Lucas, situações como essas tendem a piorar com o atual quadro da segurança pública.
— Infelizmente, agir com coragem, não evitar uma abordagem e tentar proteger a sociedade está no nosso sangue. Mas, estamos com efetivo reduzido, armamento defasado e equipamentos de proteção vencidos. O bandido sabe muito bem disso, e naturalmente fica mais ousado. Vai sempre partir para o confronto — acredita o policial.
Maioria dos policiais morre em latrocínios
Os policiais não escapam a outra estatística preocupante deste primeiro semestre. Foi o período recordista de mortes em assaltos na Capital: entre os policiais mortos nos primeiros seis meses do ano, quatro foram vítimas de assaltos. Em apenas um dos casos há alguma suspeita de que o PM morto estivesse fazendo “bico” no estabelecimento comercial atacado, na Zona Sul de Porto Alegre. No primeiro semestre do ano passado, três policiais foram mortos em latrocínios na Região Metropolitana.
Na maioria das vezes, porém, os policiais que reagiram aos assaltos vitimaram suspeitos. Foram 17 casos no primeiro semestre deste ano contra oito no mesmo período do ano passado. A metade dos ataques visavam aos veículos particulares dos agentes que, armados, reagiram.
— Temos verificado em diversas ocasiões que a ousadia dos assaltantes desafia até mesmo os policiais. Eles são treinados para reagir — aponta o comandante do policiamento da Capital, coronel Mario Ikeda.
Aconteceram na Capital 70% dos casos de suspeitos mortos por policiais em reação a assaltos. E três dos quatro casos de policiais vítimas de latrocínio foram em Porto Alegre.
No caso Cristo Redentor, PMs agiram em legítima defesa
O inquérito que apurou as mortes de quatro suspeitos em confronto com policiais militares diante do Hospital Cristo Redentor, no fim de abril, terminou com a conclusão de que os PMs agiram em legítima defesa.
— Havia uma agressão evidente dos criminosos, uma situação prévia de confronto e a consciência de que os criminosos estavam usando armamento pesado — afirma o delegado Cassiano Cabral, que investigou o caso pela 3ª DHPP.
Segundo ele, a perícia confirmou a presença de diversos estojos de pistola 9mm dentro do carro dos suspeitos e na rua, indicando que eles responderam aos tiros dos policiais naquele local.
— Os PMs agiram corretamente na saturação de tiros para imobilizar os suspeitos, mas também se expuseram a um risco quando não se protegeram da maneira mais adequada a um confronto — avalia o delegado Mauro Duarte Vasconcelos ao analisar a técnica da abordagem.
Para o delegado Cassiano, o final da ocorrência, com três mortos, evitou algo pior.
— Tenho convicção de que poderia acontecer uma tragédia de proporções muito maiores pelo local, pela quantidade de pessoas ao redor e pela periculosidade dos criminosos envolvidos — acredita.
“Não é causa e efeito”, diz comandante-geral da BM
O comandante-geral da Brigada Militar, coronel Alfeu Freitas, rebateu as declarações de Lucas e afirmou que não houve “causa e efeito” no desfecho da abordagem policial. Conforme Freitas, as dificuldades de estrutura enfrentadas pela corporação não tiveram nenhuma relação com a morte do soldado.
— Não teve nada disso. Não é causa e efeito. Isso não tem nada a ver com o óbito. Os coletes balísticos estão em dia, as viaturas também e nós estamos aumentando o efetivo da Brigada. Havia PMs próximos ao local do crime, chegaram pouco depois do fato — salienta.
Segundo o comandante, Luiz Carlos estava em uma atividade de rotina e chegou a informar aos colegas da PM2 que realizaria a abordagem na Rua Santa Flora.
— Ele estava em uma missão de rotina do setor dele, em uma viatura discreta, sozinho. Percebeu alguma coisa ilícita e resolveu intervir. Antes de realizar a abordagem, ele ligou para os colegas (da PM2), que estavam a caminho. Somente uma senhora que estava perto do fato ligou para o 190. A Brigada chegou instantes depois que ele foi alvejado.
O coronel acredita que o PM morto possa ter evitado uma ação mais incisiva por receio de possíveis críticas à sua conduta.
— É tudo muito dinâmico em uma abordagem como essa. Tem de saber o momento certo de agir. Com certeza isso passou pela cabeça dele (atirar nos suspeitos), mas são momentos em que o PM tem de decidir. Ele estava tentando defender a sociedade. Esse é o valor do brigadiano. Bandido é bandido, não é coitadinho — diz Freitas.