Mesmo com maioria na Casa, governo não conseguiu aprovar neste ano propostas de pacotes do ano passado como a extinção de fundações
Próximo de completar dois anos à frente do Piratini com ampla maioria na Assembleia Legislativa, o governo José Ivo Sartori esbarra em restrições da base aliada para aprovar projetos de redução de gastos públicos. Às vésperas do envio de um novo pacote de ajustes, pelo menos quatro propostas do Executivo apresentadas no ano passado dividem apoiadores e ainda tramitam na Casa — incluindo a extinção de duas fundações, a cedência de serviços a organizações sociais e o fim da licença-prêmio.
Em 2015 e 2016, durante as primeiras fases de ajuste fiscal, o Executivo conseguiu aprovar medidas amargas como a elevação da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a redução dos gastos do governo com as Requisições de Pequeno Valor (RPVs), a criação da previdência complementar e da Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual, além da concessão das estradas estaduais por 30 anos. No entanto, outras estão ainda em discussão.
— Nós avaliamos cada projeto e tiramos uma posição de bancada. Somos favoráveis à racionalização e à simplificação de processos, mas tem que olhar isso com muito cuidado, ver se realmente não vamos estar abrindo mão de uma estrutura que agrega valor para a sociedade — avalia o deputado Eduardo Loureiro (PDT), líder da segunda maior bancada aliada ao Piratini, ao lado do PP, com sete parlamentares.
Entre as medidas que encontram maior resistência na base aliada estão as extinções da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (Feeps) e da Fundação Zoobotânica. Os dois projetos de lei tramitam na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia (CCJ) desde agosto de 2015 e aguardam a liberação dos pareceres de deputados da base aliada.
Na época, o Piratini enviou dez medidas à Casa, prevendo também a extinção da Fundação de Esporte e Lazer do Estado do Rio Grande do Sul (Fundergs) — já aprovada —, a criação do Banrisul Cartões, a instituição da previdência complementar e a alteração do tempo de serviço na Brigada Militar. Sem apresentar os impactos econômicos para todas as proposições, o governo justificou as mudanças pela “crise profunda” das finanças estaduais.
Sob a relatoria do deputado Jorge Pozzobom (PSDB), o projeto de lei para excluir a Fundação Zoobotânica da administração estadual não avançou no Legislativo. O parlamentar tucano — agora, prefeito eleito de Santa Maria — aguarda um posicionamento do Piratini para tomar posição sobre a medida. Ele explica que a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) se comprometeu, ainda em 2015, em modificar o projeto da Fundação Zoobotânica, sem extingui-la.
— Não vou entregar o parecer do projeto de extinção da Fundação (Zoobotânica) porque combinei com a Secretaria do Meio Ambiente que haveria uma readequação. Agora nós vamos ver, com o pacote que vem, o que vai ter (relativo à fundação) — afirmou Pozzobom.
Outra fundação na mira do Piratini é a Fepps, órgão responsável pela execução de análises, estudos e exames definidos pelo governo estadual. A proposição de extinção da fundação tem a relatoria do deputado Ciro Simoni (PDT). Por meio da assessoria de imprensa, o parlamentar disse que é contrário à exclusão do órgão e reiterou que aguarda a definição do Executivo pela mudança em alguns pontos do projeto.
Reconhecendo os recuos do governo em alguns projetos, o líder do governo na Assembleia, Gabriel Souza (PMDB), contrapõe que o Piratini vem tendo vitórias na maioria das proposições já enviadas à Casa. O peemedebista destaca que a intenção é mobilizar a base governista para as medidas “enérgicas” que virão no novo conjunto de propostas do Executivo.
— Muitas vezes, para aprovar uma proposta mais polêmica, tu tens que utilizar os instrumentos regimentais e do tempo da política para conseguir colocar em votação e ganhar. O governo, por vezes, prefere recuar em apresentar ou acelerar um processo legislativo quando percebe que o tempo não é aquele — frisa.
Procuradas pela reportagem, a Chefia da Casa Civil e a Secretaria-Geral de Governo não quiseram se manifestar. Souza lembra que, mesmo sendo da base, os deputados têm a prerrogativa de trabalhar cada matéria com “o tempo e a vontade” que quiserem:
— A prioridade do governo é finalizar os estudos que estão quase conclusos e enviar um pacote, entre as quais podem estar, inclusive, propostas que já estão tramitando na Casa.
Conforme o líder governista, o Piratini poderá modificar alguns pontos dos projetos que já estão na Assembleia após anunciar o novo pacote de medidas. Outra alternativa estudada para aprovar as mudanças é o pedido de regime de urgência, segundo Souza.
Procurada pela reportagem, a Secretaria-Geral de Governo não informou o impacto financeiro que as extinções da Fundação Zoobotânica e da Fepps representariam para os cofres estaduais. Nos planos do Executivo, as duas estruturas seriam incorporadas às secretarias de Meio Ambiente e da Saúde, respectivamente.
Fim da licença-prêmio e transformação em licença-capacitação
Protocolada pelo governo Sartori em junho de 2015, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 242, que trata da transformação da licença-prêmio em licença-capacitação, permaneceu tramitando na CCJ por mais de 17 meses até receber parecer o favorável do deputado Frederico Antunes (PP), na última quarta-feira. A decisão do deputado progressista ocorreu após o pagamento de até R$ 276 mil de indenização por licenças-prêmio ainda não desfrutadas pelos servidores. A matéria passou por cinco relatores no colegiado.
A PEC integra a segunda fase do ajuste fiscal gaúcho e propõe o fim da licença-prêmio assiduidade aos servidores públicos estaduais. No lugar do benefício — que, atualmente, é concedido aos servidores após cinco anos consecutivos de exercício sem faltas injustificadas —, os funcionários do Estado poderão, caso a proposta seja aprovada, pedir afastamento do serviço por três meses para participar de curso de capacitação profissional, sem prejuízo ao salário.
— Eu desconheço algum curso de capacitação nesse país que possa ser feito em um, dois ou três meses. Existe uma mera desculpa para acabar com a licença-prêmio sem tornar efetivo o que é a capacitação — critica o presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do RS, Sérgio Arnoud.
Após a liberação do parecer do deputado progressista, a PEC da licença-prêmio já poderá ser apreciada pelo CCJ na próxima semana. Depois, a proposta deve seguir para a Comissão de Serviços Públicos ou, então, ir ao plenário por meio de acordo de líderes da Assembleia. Para ser validada, a medida do Piratini precisa ser aprovada em dois turnos de votação na Casa.
Transferência de estruturas do Estado para organizações sociais
Um dos principais pontos de contrariedade dos estudantes que ocuparam escolas estaduais no início deste ano, o projeto de lei que permite ao governo ceder para entidades da iniciativa privada sem fins lucrativos a gestão de serviços públicos também não avança no Parlamento gaúcho. Através de um acordo entre o governo e setores contrários à proposta, a proposta teve a tramitação congelada na CCJ, em junho. O líder do governo afirma, entretanto, que o governo poderá votar a medida a partir do início de 2017.
— No ano que vem, o governo está livre para poder votar. O (Piratini) atendeu a um apelo da sociedade no sentido de debater mais. Então, imagino que a parte da sociedade que era contrária está tendo tempo suficiente para fazer os diálogos que necessita — pontuou Gabriel Souza (PMDB).
O projeto enviado por Sartori à Assembleia em fevereiro deste ano permite ao governo definir como ¿organizações sociais¿ diferentes ¿pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à gestão, proteção e preservação do meio ambiente, à ação social, ao esporte, à saúde e à cultura¿. Caso o projeto seja aprovada, a medida permitirá a elaboração de contratos do Estado com entidades que deverão executar serviços a partir de repasses públicos.
O texto é criticado pela oposição. Segundo o deputado Pedro Ruas (PSOL), o Piratini não deixa claro quais mudanças pretende fazer em parte dos projetos que tramitam na Assembleia.
— O governo não é claro. A impressão que (o texto) dá é que ele quer passar o controle de tudo, inclusive do conteúdo. No caso de escolas, por exemplo, até o conteúdo pedagógico. Isso não tem como estar em mãos privadas — afirma Pedro Ruas.
Líder da bancada pedetista, o deputado Eduardo Loureiro afirma que o partido é favorável à exclusão das áreas da saúde e da educação na abrangência do projeto.
— Você não pode terceirizar as políticas públicas na área da educação e da saúde. Então, nós temos restrições. Talvez parte do texto possa ser mantido, mas não da forma como está — declarou.
Ainda ao lado do governo, Eduardo Loureiro (PDT) afirma que a bancada pedetista poderá deixar a base em 2017. No entanto, o desembarque do governo “não está em avaliação”, de acordo com o líder.
— Nós vamos contribuir com o governo até o limite do que os nossos princípios nos permitirem. Acho que a partir do ano que vem, nós vamos fazer uma avaliação mais aprofundada do ponto de vista partidário. A tendência é que o PDT tenha candidatura própria (para governador).
O projeto de lei que trata das organizações sociais é relatado pela deputada Manuela D’Ávila (PCdoB), que já apresentou parecer desfavorável à constitucionalidade da medida. O posicionamento foi protocolado na CCJ em junho e o tema só deverá ser retomado no próximo ano.
Procuradas pela reportagem, a Chefia da Casa Civil e a Secretaria-Geral de Governo não quiseram se manifestar.
Projetos adiados e aprovados
Sartori enviou diversos projetos contra a crise financeira do Rio Grande do Sul entre 2015 e 2016, mas alguns seguem tramitando na Assembleia Legislativa.
AINDA EM TRAMITAÇÃO
— Extinção da Fepps: aguarda parecer na CCJ.
— Extinção da Fundação Zoobotânica: aguarda parecer na CCJ.
— Mudança na licença-prêmio: aguarda votação na CCJ.
— Cedência de serviços para organizações sociais: aguarda votação na CCJ.
APROVADOS
— Aumento de ICMS: setembro de 2015.
— Ampliação do uso dos depósitos judiciais: setembro de 2015.
— Concessões das estradas por 30 anos: maio de 2016.
— Criação da Câmara de Conciliação de Precatórios: setembro de 2015.
— Criação da empresa Banrisul Seguradora: dezembro de 2015.
— Criação da empresa Banrisul Cartões: dezembro de 2015.
— Criação da Previdência complementar: setembro de 2015.
— Extinção da Fundergs: dezembro de 2015.
— Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual: dezembro de 2015.
— Mudanças na lei do IPVA: setembro de 2015.
— Mudanças no imposto sobre heranças: setembro de 2015.
— Retirada de plebiscito para fechamento ou venda da Cesa: fevereiro de 2016.
— Redução dos gastos com RPVs: novembro de 2015.
— Reformulação da EGR: maio de 2016.
— Restrições à incorporação de funções gratificadas (FG): setembro de 2015.
— Venda da folha ao Banrisul: dezembro de 2015.