ZERO HORA: Servidores estaduais endividados podem recorrer à Justiça, diz especialista

Funcionários que aderiram à antecipação do 13º por meio do Banrisul tiveram o valor descontado da conta antes que o depósito fosse feito

Por: Bruna Vargas

O Estado do Rio Grande do Sul pode ter de arcar na Justiça com as consequências do atraso no pagamento do 13º salário. Funcionários públicos que contraíram dívidas em função do não pagamento do benefício poderão buscar na Justiça ressarcimento por eventuais danos materiais e morais decorrentes do atraso.

Conforme o promotor de Justiça e professor de direito da Unisinos Heriberto Roos Maciel, como a data do pagamento do benefício está prevista na Constituição Federal e os servidores não tiveram condições de se programar para o não recebimento, os encargos gerados em função desse evento podem vir a ser cobrados do governo estadual.

— Os funcionários levam em consideração os prazos legais para cumprirem suas obrigações. Um ressarcimento por endividamentos que decorram do não pagamento é o mínimo de Justiça que deve ser feito. A pessoa não pode ter de arcar com um juro por uma situação que o Estado deixou de honrar — analisa.

Na avaliação do especialista, o ingresso do servidor em um cadastro de maus pagadores por conta do atraso abre brecha, ainda, para ações de dano moral — mas apenas se ocorrer depois da data prevista para o pagamento e tiver relação com ele. Se a única dívida for com o banco, a inclusão em um cadastro desse tipo não deve ocorrer enquanto houver possibilidade de negociação com a instituição financeira.

Na última terça-feira, servidores públicos do Estado que aderiram à antecipação do 13º salário de 2016 por meio do Banrisul tiveram o valor descontado da conta. Segundo o banco, o vencimento do empréstimo estava previsto para ocorrer junto com o pagamento do governo do Estado. No entanto, o Piratini não quitou o valor e os funcionários tiveram o dinheiro descontado do saldo atual da conta. A orientação do Banrisul é que os clientes procurem as agências para renegociar a dívida.

Servidores enfrentam dificuldades com desconto de empréstimo do 13º salário

Banrisul está chamando funcionários estaduais que entraram no negativo a buscar as agências do banco para negociar pendências

Por: Bruna Vargas

Foi no posto de gasolina que Eli Karolczak, 56 anos, se viu surpreendida pelo bloqueio de seu cartão de débito e crédito. Funcionária pública do Estado, a professora de inglês pretendia abastecer o carro para viajar de Porto Alegre até Santa Catarina, onde trabalha como camareira em uma pousada durante as férias escolares desde 2010, para complementar a renda. A transação frustrada a levou até uma agência do Banrisul:

— Fui tirar um extrato e vi que estava com mais de R$ 2 mil negativos. O gerente me disse que eu tinha de fazer um empréstimo para poder desbloquear o cartão. Todo mundo estava dizendo que o Estado não ia pagar o 13º, mas achei que, pelo menos, a metade ia entrar, o que daria para cobrir os juros — conta.

Professora em uma escola da Vila Jardim, na Capital, Eli foi uma dos mais de 45 mil funcionários públicos estaduais que pediram adiantamento do 13º salário e, embora não tenham recebido o benefício previsto para 20 de dezembro do governo do Estado, tiveram o valor descontado do saldo da conta pelo banco. Antes disso, no entanto, o parcelamento de salários já havia feito com que entrasse no cheque especial — segundo ela, situação mais crítica em mais de 30 anos de magistério.

Na terça-feira, depois de efetuar os descontos, o Banrisul solicitou aos servidores endividados que buscassem suas agências para renegociar pendências junto ao banco, a juros mais baixos do que os de costume — o banco não informa quantos dos servidores que pediram adiantamento entraram no negativo. O policial civil Renato Rosso, 47 anos, que descobriu seu prejuízo ao tentar sacar dinheiro para comprar pão, na manhã de terça-feira, sentiu-se injustiçado ao ter fazer um empréstimo para pagar um valor que esperava ter recebido do governo. Em uma agência de São Sepé, na Região Central, onde vive com a esposa, encontrou outros servidores na mesma situação.

— No banco tinha mais uns 40, entre professores, brigadianos e colegas policiais. Durante o ano pedi adiantamento de salários e do 13º para não atrasar os compromissos. Nunca tinha passado por isso. Agora estamos pagando juros por um dinheiro que é nosso — lamentou o policial, que pediu dinheiro emprestado à esposa para ir à padaria.

A Renato, foi oferecida pelo Banrisul a possibilidade de fazer um empréstimo consignado que deve começar a ser pago no mês que vem, com juros 0,7% mais baixos do que o padrão. A saída soou melhor do que uma possível passagem pelo cheque especial, cujos juros ultrapassam os 12% ao mês.

Aposentada da Polícia Civil desde julho, Galba Porto, 60 anos, conheceu os dissabores das mais diversas taxas de juros em 2016. Juros de empréstimos e do cartão de crédito, cujo pagamento ficou para trás em função do parcelamento do salário, já somam, segundo estima, em torno de R$ 15 mil. Após meses de vida financeira conturbada — a filha e o genro foram morar com ela e a companheira para ajudar na divisão das contas —, resolveu se antecipar. Ao saber que não receberia o 13º salário no dia previsto, ligou para o banco para se informar das possibilidades. Acabou acordando um novo empréstimo para saldar os mais de R$ 10 mil que ficariam negativados.

— Lembro de situações parecidas, mas nenhuma tão caótica. No mês retrasado, pela primeira vez, cheguei no supermercado e não consegui pagar as compras porque não tinha saldo. Era uma conta de R$ 120. É humilhante — diz.

Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria da Fazenda, ainda não há previsão para a integralização do 13º dos servidores. O Estado aguarda pela aprovação, na Assembleia, de um projeto que integra o pacote de medidas do governo e prevê a fixação de novos prazos para o pagamento do benefício. Caso seja aprovado, a previsão é de que 50% seja quitado até 31 de dezembro deste ano, e o restante até novembro de 2017.

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