Redução foi constatada em São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro e Pará, onde vivem 44% da população
POR SILVIA AMORIM O GLOBO
SÃO PAULO — Para fazer a segurança de quase metade dos brasileiros, estados têm hoje um efetivo de policiais militares menor do que três anos atrás. A redução de contingente foi constatada em São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro e Pará por um levantamento feito pelo GLOBO na última semana. A falta de reposição de policiais diante de aposentadorias, mortes ou demissões é mais um reflexo da crise fiscal, que estrangula desde 2015 orçamentos estaduais, comprometendo a prestação de serviços públicos. Nesses cinco estados vivem 91,7 milhões de pessoas — 44% da população brasileira, segundo o IBGE. Juntos, eles perderam algo em torno de 17 mil homens da Polícia Militar nos últimos 38 meses (de dezembro de 2013 a fevereiro de 2017). Isso é equivalente ao efetivo policial de estados de porte médio no Brasil, como Ceará ou Santa Catarina.
A situação é ainda mais dramática se considerarmos que a população segue crescendo lentamente. A lógica seria que o efetivo policial acompanhasse esse crescimento. Em 2013, eram 191 mil policiais militares na ativa em São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pará. Hoje são 174 mil, distribuídos em funções administrativas e no policiamento. Se a proporção de três anos atrás de policial por habitante tivesse sido mantida, esses estados deveriam ter atualmente uma força de segurança de 196 mil homens. No Rio de Janeiro, seriam 1.100 policiais a mais do que hoje e, em São Paulo, o reforço teria que ser de 14 mil.
METAS ANUAIS FORA DA REALIDADE
Entretanto, não existe no país uma recomendação sobre o número ideal de policial por população. Enquanto no Rio há um policial para cada 363 habitantes. No Maranhão a relação é de um para 763 e, em São Paulo, um para 580.
Para chegar aos números atualizados de efetivo policial, o GLOBO consultou os dez estados com maior população do país. Apenas dois se recusaram a fornecer informações — Minas Gerais e Paraná. Dos oito restantes, Ceará, Maranhão e Bahia seguiram contra a corrente e ampliaram o número de policiais nos últimos três anos.
Para avaliar a evolução do contingente policial, os números de 2017 foram comparados com uma pesquisa do IBGE sobre o quantitativo das Polícias Militares nos 26 estados e o Distrito Federal em 2013, o único levantamento oficial divulgado até hoje.
Presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros (ANERPMB), Leonel Lucas conta que essa situação encontrada pela reportagem não é pontual e tem sido relatada por dirigentes da entidade em diversos estados.
— Isso está acontecendo como um todo no Brasil. Estão fazendo o ajuste fiscal economizando em áreas como a segurança pública. Para segurar os gastos, governadores estão suspendendo ou adiando a contratação de novos policias que deveriam ocupar as vagas daqueles que deixam a carreira — diz Lucas.
As baixas na PM acontecem em três situações: aposentadoria, morte ou demissão. A primeira categoria é a que mais tira homens da corporação. Em geral, cerca de 80% dos efetivos policiais são destinados ao policiamento de rua, mas isso pode variar de acordo com o estado.
O caos gerado pela paralisação de policiais militares no Espírito Santo este mês evidenciou a dependência quase que exclusiva da segurança pública estadual em relação ao trabalho da Polícia Militar. A falta de alternativas tem deixado a população e os governos reféns em momentos de crise.
Carros com menos policiais, demora no atendimento de ocorrências, redução da frequência das rondas preventivas e, em caso extremo, restrição da área de policiamento são alguns dos efeitos da redução do contingente.
Em Pernambuco, policiais informam que há cidades de 20 mil habitantes cujo patrulhamento está sendo feito por apenas dois policiais.
— Uma lei estadual fixa no estado em 26 mil o efetivo da PM, mas não temos hoje nem 19 mil. Estão enxugando gelo — diz o presidente da Associação de Cabos e Soldados, Albérisson Carlos.
No Rio Grande do Sul, onde policiais estão tendo os salários parcelados há 19 meses, Leonel Lucas, que também preside a Associação dos Brigadistas Militares gaúchos, diz que a queda do efetivo tem levado à redução de policiais por viatura.
— A gente aprende no curso de formação que o recomendável é três homens por viatura, sendo um motorista, um comandante e um patrulheiro. Mas as equipes estão sendo reduzidas por causa da crise. Só no ano passado 4 mil policiais foram para a reserva e, até agora, apenas 900 homens foram convocados — afirma Lucas.
Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o problema poderia ser minimizado com gestão eficiente:
— Esse déficit é indiscutível e pode ter mais ou menos impacto dependendo de como as polícias administram seus recursos humanos.
Alguns estados têm como praxe fixar a cada ano o efetivo de policiais. Mas essas leis têm se tornado mais um instrumento político da PM para pressionar por recursos do que meta. No Rio, por exemplo, a última lei aprovada, em 2014, estabeleceu o efetivo em 60.471 homens, contra um efetivo de 45.865. Em São Paulo, o texto editado três anos atrás apontava para um efetivo de 92 mil policiais, mas os paulistas contam hoje com somente 77.492.
GOVERNOS: CRISE LIMITA MARGEM PARA AUMENTO
Ao mesmo tempo em que admitem o déficit no contingente policial, governos consultados pelo GLOBO afirmam que estão adotando medidas para reverter o quadro. A PM do Rio informou que houve um pico de novos policiais em 2010, graças à criação das UPPs. “Este pico se refletiu até 2013, pois os efetivados foram assumindo os postos ao longo desses anos. Já em 2014, novo concurso foi realizado, no entanto, com entrada reduzida até o momento, devido à crise financeira por que passa o Estado. A redução do efetivo se deu, especialmente, pelo crescente número de militares que solicitaram a reserva remunerada”, diz a PM, destacando que a evasão se dá ainda em razão de pedidos de licenciamento ou exclusão por procedimentos apuratórios, baixas solicitadas e ainda ferimentos que causam invalidez ou a morte do policial.
“Cabe esclarecer, que a evasão também acontece por pedidos de licenciamento ou exclusão por procedimentos apuratórios, baixas solicitadas e ainda ferimentos que causam invalidez ou a morte do policial”, diz a corporação do Rio.
O governo do Pará informou, em nota, que há previsão de contratação de 2.194 policiais militares. Concurso público foi iniciado em julho de 2016 e está em fase final, segundo a PM paraense.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo comunicou que, desde 2011, 23,7 mil PMs ingressaram na corporação e que outros 3,2 mil estão em curso de formação. O governo diz que “investe constantemente em contratações para reforçar as tropas” e que a Lei de Responsabilidade Fiscal tem sido limitador para o aumento do efetivo.
No Rio Grande do Sul, o Comando da Brigada Militar atribuiu a um volume alto de aposentadorias nos últimos dois anos a queda do número de policiais. Segundo a corporação, o debate da reforma da previdência estimulou muitos pedidos em curto prazo para entrar na reserva.
O estado de Pernambuco não se manifestou.