Entre os projetos, autorização para privatizar sem plebiscito é um dos pontos principais em renegociação com a União, mas enfrenta resistência
Empacados desde o fim do ano passado por falta de apoio, os projetos remanescentes do pacote de ajuste fiscal do governador José Ivo Sartori voltam à pauta da Assembleia Legislativa a partir desta terça-feira. A análise dos textos mais polêmicos, porém, tende a ser postergada pelo governo por pelo menos mais uma semana.
A demora reflete as dificuldades do Piratini para manter a fidelidade da base, prestes a perder o PDT, e garantir a adesão de deputados que se definem como “independentes”, em especial do PTB. Das 11 medidas no limbo, seis são propostas de emenda à Constituição (PECs) e exigem o aval de pelo menos 33 dos 55 parlamentares. Veja quais são as chances de aprovação de cada uma delas.
Sem votos suficientes até agora, o Piratini vinha protelando desde janeiro a apreciação das matérias — a Assembleia só retomou as votações na última semana, ao avaliar dois vetos de Sartori, após três meses de paralisia. Uma das PECs de maior resistência é a que retira a necessidade de plebiscito para a privatização da CEEE, da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Sulgás. Em caso de fracasso, Sartori terá problemas para aderir ao plano de recuperação fiscal proposto pelo governo federal (leia na página ao lado).
— O Estado vive uma crise financeira e, mesmo que a gente não aceite todas as contrapartidas exigidas pela União, algumas terão de ser cumpridas. O plano federal reforça a necessidade de aprovação. Esse é um dos motivos pelos quais acreditamos que vamos conseguir — diz o líder do governo no Legislativo, Gabriel Souza (PMDB).
Embora seja minoria, a oposição dá como certa a derrota do Piratini, sob a justificativa de base fragmentada.
— O sonho do governo era ter um argumento externo para forçar a aprovação do pacote, mas não vai funcionar. Os projetos são antipáticos até para os aliados — afirma Pedro Ruas (PSOL).
Na avaliação de Stela Farias, líder da bancada do PT, o desafio de Sartori cresce conforme se aproximam as eleições.
— A cada dia que passa, ele tem mais dificuldades para manter a base fiel a seu projeto, porque estão todos de olho no ano que vem. Os deputados não querem se indispor com os eleitores. A base está fazendo água — afirma Stela.
Presidente estadual do PDT, Pompeo de Mattos confirma que o principal motivo para o partido se afastar de Sartori é a disputa pelo Piratini em 2018. Segundo ele, a sigla ratificará a saída em reunião marcada para o dia 10.
— Na prática, já estamos fora do governo, mas isso não significa que vamos sair atirando. Tenho conversado com o governador de forma respeitosa. A questão é a seguinte: se já sabemos que teremos candidatura própria, é constrangedor para nós e para ele que a gente continue na base — pondera o deputado federal.
A deserção, conforme Pompeo, não impede que integrantes do PDT “votem a favor de algumas das propostas”. É nisso que o Piratini aposta para ter êxito no plenário, tanto quanto nas conversas com o PTB. A posição dos cinco deputados da sigla ainda é incógnita.
— Uma coisa é a participação dos partidos na gestão. Outra é o voto dos parlamentares. O PTB, por exemplo, não tem e nunca teve nenhuma secretaria, mas, no ano passado, nos deu três votos que garantiram a aprovação de projetos importantes — diz Souza.
O líder do governo nega que a base esteja se esfacelando e lembra que, até hoje, sofreu apenas uma derrota na Assembleia — com a PEC do duodécimo, alvo de forte rejeição do Judiciário e cujo objetivo era alterar o critério dos repasses de recursos aos demais poderes.
Souza destaca ainda que a base ganhou dois reforços com a posse do deputado Edu Olivera (PSD) no lugar de Jardel, cassado em dezembro, e com a saída de Silvana Covatti (PP) da presidência da Casa (presidentes só votam em caso de desempate). Em compensação, a oposição perdeu um voto desde que o deputado Edegar Pretto (PT) passou a presidir o parlamento.
— Isso prova que estamos nos fortalecendo — sustenta Souza.
Para ganhar tempo, a estratégia do Piratini é começar a destravar a pauta pelos projetos menos controversos, cujo prazo já expirou. Ao todo, existem 10 nessa situação. A tendência é de que seis deles, não relacionados ao pacote, sejam apreciados primeiro, seguidos dos outros quatro. As PECs devem ficar para a próxima semana.
O que tranca a pauta
-Das 11 propostas de autoria do Executivo que ficaram para votação em 2017, quatro tramitam em regime de urgência e trancam a pauta.
-Além dessas quatro, outras seis, que são de 2016, mas não têm relação com o pacote, estão na mesma situação.
-Esses 10 textos com prazo de votação expirado terão de ser votados antes dos demais, e a estratégia do governo é começar pelas proposições menos polêmicas.
-Entre os seis que nada têm a ver com o pacote, estão um projeto que modifica o programa Mais Água Mais Renda e uma proposta que eleva de 12% para 18% a alíquota de ICMS nas operações internas com leite UHT.
O que já foi aprovado
-Extinção ou reestruturação de 12 órgãos do Estado, entre eles Fundação de Economia e Estatística, Fundação Zoobotânica, Fundação Piratini (TVE e FM Cultura) e Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore.
-Aumento da alíquota de contribuição previdenciária descontada dos servidores públicos do Estado para 14%.
-Elevação da contribuição previdenciária de 13,25% para 14% dos servidores militares contribuintes do Regime Financeiro de Repartição Simples.
-Redução ou fusão de secretarias de Estado, passando de 20 para as atuais 17.
Quais são os projetos de Sartori que serão votados pela Assembleia e a chance de aprovar cada um deles
Pacote enviado no ano passado voltará a ser analisado nesta quarta-feira pelos deputados estaduais
Confira quais são os projetos remanescentes do pacote de Sartori apresentado no ano passado que devem ir a votação nas próximas semanas e qual é o nível de dificuldade do Piratini para conseguir a aprovação de cada um
Data de pagamento
A PEC 257/2016 revoga o artigo constitucional que estabelece o último dia do mês para pagamento dos servidores, bem como a data de 20 de dezembro para o 13º salário. A flexibilização é motivo de indignação entre os sindicatos de servidores do Estado e alvo de rejeição tanto da oposição quanto de um partido-chave para o governo conseguir a aprovação: o PDT, com sete deputados.
Plebiscito para privatizações
A PEC 259/2016 retira da Constituição Estadual a necessidade de plebiscito para os casos de alienação, transferência do controle acionário ou extinção da CEEE, da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Sulgás. A proposta enfrenta resistência na oposição e de parlamentares de dois partidos cujos votos são fundamentais para Sartori: PDT e PTB, que somam 12 deputados.
Cedência para sindicatos
A PEC 256/2016 elimina a remuneração, por parte do Estado, dos servidores que não estão desempenhando as funções para as quais foram nomeados após concurso público por estarem cedidos a entidades de classe. Há forte pressão dos sindicatos, que exigem a rejeição e prometem lotar as galerias. Por se tratar de PEC, o Piratini precisará de pelo menos dois terços dos votos (33 dos 55 parlamentares da Assembleia).
Adicionais por tempo de serviço
A PEC 258/2016 extingue o direito aos adicionais por tempo de serviço dos servidores estaduais aos 15 anos (15%) e aos 25 anos (10%). A proposta enfrenta a resistência do funcionalismo e é alvo de críticas de entidades de classe, que pressionam os deputados a votarem contra. A dificuldade aumenta por se tratar de uma PEC, que necessita de pelo menos 33 dos 55 votos para ser aprovada.
Fim da licença-prêmio
A PEC 242/2015 extingue a licença-prêmio por assiduidade e cria a licença-capacitação. Segundo a justificativa do projeto, a intenção do Piratini, com isso, é “conter a expansão de um dos principais itens das despesas do Tesouro” e converter o benefício na “qualificação profissional dos servidores”. Além de ser repudiada por sindicatos, que prometem lotar as galerias para fazer pressão, a proposta precisará de 33 votos para ser aprovada.
Créditos fiscais presumidos
O PL 214/2015, que tramita em regime de urgência, limita a apropriação de créditos fiscais presumidos pelas empresas, nos exercícios de 2016 a 2018, ao valor correspondente a 70% do total desses créditos. Na prática, isso significa reduzir em 30% esses benefícios, aumentando a receita do Estado em R$ 300 milhões ao ano, segundo o Piratini. Mas, em 2016, o governo Sartori sofreu pressão da própria base para retirar a urgência do projeto, porque teria impacto no setor primário.
Averbação de licenças
O PLC 243/2016, que tramita em regime de urgência, prevê a proibição da averbação da licença especial em dobro para PMs. Traduzindo: hoje os PMs podem optar por não tirar licenças acumuladas para poder ser aposentar mais cedo. Com a proibição, o tempo de serviço efetivo dos PMs aumentará em três anos. A Associação de Cabos e Soldados da BM é contrária à medida e promete pressionar os deputados pela rejeição.
Plantões da Susepe
O PLC 245/2016, com tramitação em regime de urgência, elimina o regime de plantão da Susepe de 24 horas de trabalho por 72 ou 96 horas de folga nos presídios. Estabelece jornada de 40 horas semanais igual à dos demais servidores. O Sindicato dos Agentes Penitenciários do Estado é contra o projeto e exige a rejeição, por entender que prejudica os servidores. Promete fazer barulho nas galerias.
Sobras de recursos de poderes
O PL 254/2016 (tramita em urgência) converte os saldos dos recursos financeiros de órgãos e poderes não usados até o fim de 2016 para o fundo de reforma do Estado. O projeto enfrenta forte resistência do Judiciário, que classifica a medida como uma forma de “confisco das economias” realizadas e pressiona para que seja retirada da pauta.
Regras de aposentadoria
A PEC 261/2016 altera o conceito de tempo de serviço pelo de contribuição na Constituição Estadual. A regra impossibilita formas de contagem de tempo fictícias para a aposentadoria. Como trata-se de uma PEC, o governo tem dificuldade para obter 33 votos favoráveis, mas a matéria já está na Constituição Federal e, por isso, não deve ser motivo de grande polêmica.
Brigada nos presídios
A PEC 255/2016 exclui a guarda externa dos presídios das atribuições da Brigada Militar. Segundo o Piratini, outras categorias podem fazer a atividade, liberando PMs para o policiamento ostensivo. A Associação de Cabos e Soldados da BM é favorável, mas o Sindicato dos Servidores Penitenciários exige que o Piratini deixe claro de quem será a atribuição e pede a criação de um novo tipo de cargo para isso.