ZERO HORA: Governo do RS envia plano de recuperação fiscal à União incluindo venda de até seis estatais

Documento passará por última avaliação na Secretaria do Tesouro Nacional antes da entrega oficial ao presidente da República, na próxima semana

Após meses de discussões, reveses e indefinições, o governo de José Ivo Sartori enviará até o fim da tarde desta terça-feira (3) a versão final do plano de recuperação fiscal do Rio Grande do Sul ao Ministério da Fazenda. Primeiro passo para a liberação do socorro financeiro da União – que ainda precisará de aval da Assembleia –, o documento passará por última avaliação na Secretaria do Tesouro Nacional (STN) antes da entrega oficial ao presidente da República, na próxima semana.

Na prática, o texto detalha as ações que o Estado se compromete a adotar nos próximos anos para reequilibrar as contas. Entre elas, estão medidas polêmicas como a prorrogação do aumento das alíquotas de ICMS, a possível privatização ou federalização de até seis estatais e o congelamento de salários de servidores, no mínimo, até 2020 .

Em troca, Sartori espera obter carência na cobrança da dívida por pelo menos três anos e novo financiamento para quitar pendências e regularizar o fluxo de caixa até o fim do mandato. Se confirmado, o empréstimo será firmado com bancos privados e funcionará como uma antecipação dos recursos das alienações, tendo a União como fiadora – que, para isso, exige uma série de ativos como garantia.

Travadas até meados de setembro, as negociações só deslancharam nas últimas duas semanas, após reunião da cúpula do Piratini com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, em Brasília. O ministro nega que tenha interferido, mas integrantes do governo do Estado afirmam que, desde o encontro, a STN “mudou de tom” e passou a demonstrar “boa vontade” nas tratativas. A expectativa é de que não imponha dificuldades desta vez e avalize o plano até sexta-feira.

— A estratégia de enviar o plano primeiro para a STN foi adotada em comum acordo com o governo federal para que a documentação seja analisada previamente, porque eles entendem que isso vai dar mais agilidade ao processo. A ideia é ir a Brasília já com tudo alinhavado — diz uma fonte próxima a Sartori.

No que depender do governador, o documento será entregue formalmente a Michel Temer e ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já no início da semana. Na ocasião, Sartori deverá dar coletiva de imprensa em Brasília. Não está descartada a possibilidade de voltar ao Rio Grande do Sul com o pré-acordo assinado.

Depois disso, terá início uma ofensiva na Assembleia para convencer os deputados estaduais de que a alternativa é a “única saída para tirar o Estado da crise” — muitos parlamentares têm dúvidas sobre os benefícios da adesão e consideram as contrapartidas exigidas excessivas. O projeto de lei complementar autorizando a adesão ao regime de ajuste deverá ser protocolado na sequência. Serão necessários 28 votos (dos 55) para aprová-lo.

— Vamos reforçar com a base o discurso que já viemos fazendo. Para o Estado retomar a capacidade de investimento em áreas estratégicas, como saúde, segurança e educação, e, principalmente, para voltar a pagar os salários em dia, não tem plano B — diz o chefe da Casa Civil, Fábio Branco.

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O que prevê o plano

1) Freio no custeio da máquina

– Salários dos servidores públicos estaduais serão congelados até 2020 (com exceção dos reajustes da segurança pública, assegurados até 2018).

– Não serão criados cargos ou funções nem haverá alteração de planos de carreira que resultem em aumento de despesa nesse período.

– Contratações serão congeladas, exceto para a reposição de aposentadorias em áreas essenciais, como saúde, segurança e educação.

2) Prorrogação do aumento de ICMS

– Em 2015, foi aprovado na Assembleia o aumento de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com vigência até 2018.

– Segundo o governo, se as alíquotas voltarem ao patamar de 2015, a arrecadação cairá R$ 2 bilhões por ano e não será possível reequilibrar as contas.

– Por isso, o plano prevê a prorrogação, que terá de ser aprovada na Assembleia.

3) Maior rigor sobre pensões

– Os critérios de concessão de pensões serão adequados à lei federal nº 13.135, de 2015. Isso se dará via projeto a ser enviado à Assembleia.

– Uma das mudanças é o fim das pensões vitalícias para cônjuges com idade inferior a 44 anos. Outra é a necessidade de comprovação, pelos pensionistas, de pelo menos de dois anos de união estável para ter o benefício em caso de morte do titular.

4) Compensações da Lei Kandir

– O plano prevê o ingresso de recursos da União no caixa do RS como compensação por perdas da Lei Kandir, que isenta de impostos determinados tipos de exportação.

– No caso do RS, estima-se que essas perdas cheguem a R$ 4 bilhões por ano, mas os valores pagos não chegam nem perto disso (em 2016, foram R$ 367 milhões, sendo que nos últimos cinco anos a média de ressarcimento foi de 10% das perdas, quando nos primeiros anos da Lei Kandir era de 50%). Esse ponto não conta com a concordância da União e depende de regulamentação. O Rio tentou inserir o item no plano de recuperação, mas não conseguiu.

5) Adeus aos depósitos judiciais

– Usados pelo Estado como uma espécie de “empréstimo” para cobrir déficits desde 2004, os depósitos judiciais não poderão mais ser utilizados. Esses recursos pertencem a pessoas e empresas em litígio na Justiça.

6) Ativos oferecidos para a obtenção de novo empréstimo

Privatização ou federalização de seis estatais:

– Com plebiscito: Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás.

O governo apresentará três propostas de emenda à Constituição (PEC) à Assembleia pedindo autorização para privatizar essas três estatais sem a necessidade de plebiscito. Para cada órgão, haverá uma PEC. A avaliação é de que isso poderá facilitar a aprovação (o governo já havia apresentado uma única PEC para todas, mas o texto sequer foi votado por falta de apoio no Legislativo).

– Sem plebiscito: Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), Badesul e a parte do Estado no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

Para poder alienar esses órgãos, o governo apresentará projetos de lei na Assembleia. No caso do BRDE, a parte do Estado será oferecida a Paraná e Santa Catarina. Se os vizinhos não quiserem, o Estado exigirá o pagamento de dividendos do banco, que hoje não são pagos. Quanto à EGR, o governo oferecerá a concessão das rodovias pedagiadas como ativo. O Badesul só será incluído nos negócios se as tratativas em relação ao BRDE não avançarem.

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Perguntas e respostas

O que é o regime de recuperação fiscal?
É uma alternativa criada pela União para socorrer Estados em calamidade financeira em troca de contrapartidas. Os benefícios incluem carência no pagamento da dívida por três anos (prorrogáveis por mais três) e autorização para novos financiamentos.

Como funciona a adesão?
O Estado tem de apresentar um plano de recuperação à União, com as medidas que promete adotar para atingir o equilíbrio fiscal. Se os técnicos entenderem que o plano é realista, o Estado pode aderir, mas isso tem de ser aprovado na Assembleia.

Quais são as principais contrapartidas exigidas?
1. Privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, entre outros, para a quitação de passivos.

2. Oferta de ativos como garantia para novos financiamentos (antecipando, assim, os valores das privatizações), no dobro do valor solicitado.

3. Congelamento de salários de servidores e proibição de contratação de novos funcionários.

O que o governo do RS busca com esse acordo?
Carência no pagamento da dívida por pelo menos três anos (fôlego de R$ 9,5 bilhões ao caixa) e aval para novo financiamento de R$ 3 bilhões. O dinheiro, segundo o governo, será usado para quitar contas em atraso e colocar as finanças em dia (é suficiente para cobrir o rombo previsto para 2018).

O Estado pode usar financiamento para isso?
Em geral, não (apenas para investimentos), mas, nesse caso, o governo do RS argumenta que sim, porque o financiamento será uma antecipação do valor a ser obtido com a venda de estatais e virá de instituições bancárias privadas. O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou operação idêntica no Rio de Janeiro para o pagamento de salários, desde que não envolvesse bancos públicos.

Por que fazer um novo empréstimo?
Como privatizações costumam ser operações demoradas, a União se dispôs a chancelar financiamentos do tipo para acelerar a liberação das verbas, o que interessa ao governo. Em troca, o Estado precisa oferecer ativos como garantia à União.

Por que no RS há resistências à adesão ao regime?
Quando terminar o período de suspensão da dívida, segundo cálculos da própria Secretaria da Fazenda, os valores não pagos elevarão o passivo em R$ 10,5 bilhões, sendo R$ 1 bilhão em juro e correção. Além disso, o novo financiamento aumentará a dívida com instituições financeiras e, para os críticos, as contrapartidas são excessivas e não há garantia de solução definitiva.

Quais são os argumentos do governo?
O governo reconhece que não é o melhor negócio, mas diz se tratar da “única alternativa imediata” à crise. Além disso, sustenta que o custo da adesão (juro e correção da dívida) sairá “mais barato” do que o custo anual dos juros cobrados pelo uso dos depósitos judiciais para cobrir déficits. Diz que as corporações são contrárias porque a adesão implicará “corte de benefícios e privilégios”.

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