A ASSTBM em conjunto com as demais entidades dos militares estaduais (ASOFBM, ABAMF e AOFERGS) requerem junto a justiça seja deferida medida liminar determinando que o Estado do Rio Grande do Sul abstenha-se de levar em pauta de votação o PLC nº 259/2023, sem que permita a efetiva discussão das questões atinentes a origem da dívida pelo Estado do Rio Grande do Sul.
A AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA REQUER:
1 – receber a presente inicial, determinando a citação do réu no endereço indicado no preâmbulo, para que, querendo, apresente contestação, nos termos do Código de Processo Civil;
2 – deferir a medida liminar, determinando ao réu que proceda à imediata suspensão do tramite do PLC nº 259/2023, enquanto não forem levadas a conhecimento das entidades as auditorias que demonstram a origem da dívida do Estado com o IPE SAÚDE, sob pena de aplicação de multa diária, em valor a ser arbitrado por este nobre Juízo, não inferior a 10 (dez) salários-mínimos, nos termos do Código de Processo Civil;
3 – julgar totalmente procedente a presente Ação Civil Pública, para declarar que os autores têm o direito de acessar as informações necessárias para a discussão nas audiências públicas, em especial àquelas que referem a origem da dívida entre IPE SAÚDE e Estado do Rio Grande do SUL, instruindo de forma transparente as discussões atinentes ao PLC nº 259/2023, de forma a dar conhecimento aos Autores, Sociedade e posteriormente ao encaminhamento do projeto ao Parlamento Gaúcho, sob pena de aplicação de multa diária, em valor a ser arbitrado por este nobre Juízo, não inferior a 10 (dez) salários-mínimos, nos termos do Código de Processo Civil no caso do não fornecimento das informações pleiteadas;
4 – subsidiariamente, caso não seja atendido o pedido principal, seja julgada totalmente procedente a demanda, de forma a condenar os réus a trazerem ao presente processo os dados e auditorias referentes ao histórico da dívida que hoje assombra o IPE SAUDE; e
5 – condenar o réu ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
CONFIRA A PETIÇÃO NA ÍNTEGRA
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA _____ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE – RS
URGÊNCIA
ASOFBM – ASSOCIAÇÃO DOS OFICIAIS DA BRIGADA MILITAR, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 74.872.177/0001-14, com sede na Travessa Francisco de Leonardo Truda, nº 40 – 2ª Andar, bairro Centro Histórico, na cidade de Porto Alegre/RS, CEP nº 90.010-050, por seu Presidente; ABAMF/SNM/BMBM/RS – ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE “ANTÔNIO MENDES FILHO” DOS SERVIDORES DE NÍVEL MÉDIO DA BRIGADA MILITAR E BOMBEIROS MILITARES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 87.751.129/0001-10, com sede na Avenida Veiga, nº 223, bairro Partenon, na cidade de Porto Alegre/RS, CEP nº 91.510-120, por seu Presidente; e ASSTBM – ASSOCIAÇÃO DOS SARGENTOS, SUBTENENTES E TENENTES DA BRIGADA MILITAR E BOMBEIROS MILITARES, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 92.968.437/0001-31, com sede na Rua Manoel Vitorino, nº 220, bairro Partenon, na cidade de Porto Alegre/RS, CEP nº 90.680-480, por seu Presidente, com endereço eletrônico rafael@rcaadv.adv.br, vêm, respeitosamente, por seus procuradores signatários (documentos em anexo), à presença de Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA
em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ/ME sob o nº 87.934.675/0001-96, representada pela Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, com endereço à Avenida Borges de Medeiros, nº 1501, 11º e 12º andares, bairro Praia de Belas, CEP nº 90.110-150, na cidade de Porto Alegre/RS, com endereço eletrônico pfec@pge.rs.gov.br, e IPE SAUDE, pessoa jurídica de direito público, representada por sua própria procuradoria, com endereço à Av. Borges de Medeiros, 1945 – Praia de Belas, Porto Alegre – RS, 90110-900 o que faz pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos.
I. DA LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÃO AUTORAS
A ASOFBM é a Associação sem fins lucrativos de âmbito estadual que congrega os oficiais do serviço ativo, da reserva remunerada e reformados da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul.
A ABAMF/SNM/BMBM/RS, por sua vez, congrega os servidores de nível médio ativos e inativos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul.
A ASSTBM representa os membros da classe dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Rio Grande do Sul.
A legitimidade das Associações na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, encontra respaldo no art. 8º, III, da Constituição Federal, assim como esteio no princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum.
O artigo 1º, itens I, II e IV, do Estatuto Social da ASOFBM arrola entre as finalidades da Associação, respectivamente, “representar os associados perante os poderes constituídos, instituições públicas e privadas no âmbito federal, estadual e municipal e junto às demais associações”, “defender os legítimos interesses dos associados sempre que estiverem sendo lesados ou na iminência de o serem” e “representar judicial e extrajudicialmente os associados”.
Do mesmo modo, o art. 6º, item “a”, do Estatuto Social da ABAMF/SNM/BMBM/RS traz como finalidade específica da Entidade “defender os direitos e interesses de caráter coletivo de seus associados, em representação, inclusive em questões judiciais ou administrativas com poderes para representá-los judicial e extrajudicialmente, bem como propositura de ação mandamental nos termos do art. 5º, IXX, b, da Constituição Federal”.
De igual maneira, o Estatuto Social da ASSTBM, em seu art. 3º, consagra, entre as finalidades da Associação “defendendo o direito dos seus associados em todas as áreas no resguardo dos seus direitos e, pugnar junto a quem de direito na defesa das justas reivindicações da classe dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar e Bombeiros Militares”.
Tem, portanto, a ASOFBM, a ABAMF/SNM/BMBM/RS e a ASSTBM, com base em seus Estatutos e na Constituição Federal, legitimidade para representar os interesses coletivos e individuais de seus associados, especialmente no caso por se tratar – como a seguir será demonstrado – de questão de direito decorrente da condição funcional.
Esse também é o posicionamento do e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DECORRENTE DE AÇÃO COLETIVA AJUIZADA PELO SINDICATO. LEGITIMIDADE ATIVA. DESNECESSIDADE DA PROVA DA SINDICALIZAÇÃO. Os efeitos da coisa julgada na ação coletiva promovida pelo sindicato da categoria estendem-se a todos os profissionais, independentemente da sua filiação ao sindicato, isso por que a sentença possui efeitos erga omnes, na forma do art. 81 e art.103, ambos do CDC. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70053317624, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Julgado em 24/09/2013). (grifou-se)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. TÍTULO EXECUTIVO ORIUNDO DE AÇÃO COLETIVA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE FILIAÇÃO AO SINDICATO. EFICÁCIA DA SENTENÇA ULTRA PARTES. Os sindicatos têm ampla legitimidade para defender os direitos da categoria, em substituição processual, conforme norma inserta no artigo 3º da Lei nº. 8.073/90 e artigo 8º, inciso III da CF. De maneira que, prescindível, quando da propositura da execução, a comprovação da condição de filiado da parte exequente, bastando a prova de que integra a categoria beneficiada no título executivo oriundo de ação coletiva. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70054349972, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laís Ethel Corrêa Pias, Julgado em 24/09/2013). (grifou-se)
Por sua vez, a ASOFBM propõe a presente ação com amparo no art. 22 do Estatuto Social, através do qual comprova a sua competência para representar judicialmente a Entidade, conforme segue transcrito:
“Art. 22 – Compete ao Presidente:
[…]
VII – representar a Associação nos atos judiciais e extrajudiciais, conforme disposições estatutárias;”
Nesta mesma senda, a ABAMF/SNM/BMBM/RS propõe a presente demanda com fulcro no art. 56 do Estatuto Social:
“Art. 56 – Ao Diretor Presidente, compete:
- Representar a Entidade ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;”
Não diferentemente, a ASSTBM ingressa com a presente Ação Coletiva com base no art. 50 de seu Estatuto Social:
“Art. 50 – É de competência do Presidente Estadual da Associação:
(…)
II – representar a Associação em juízo ou fora dele, ativa e passivamente, podendo constituir procurador;”
Em conclusão, é evidente a legitimidade ativa das associações autoras, representadas pelo seus Presidentes, para defender em juízo os interesses coletivos das categorias que representam, aqui, em especial, relativamente ao direito de receber informações corretas sobre a situação financeira do IPE SAÚDE.
II. DOS FATOS
O Poder Executivo, através do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, encaminhou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei Complementar nº 259/2023, que, em síntese, “Altera a Lei Complementar nº 12.066, de 29 de março de 2004, que dispõe sobre o Fundo de Assistência à Saúde – FAS/RS, e dá outras providências, e a Lei Complementar nº 15.145, de 5 de abril de 2018, que dispõe sobre o Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul – Sistema IPE Saúde –, altera a Lei Complementar n.º 12.066, de 29 de março de 2004, que dispõe sobre o Fundo de Assistência à Saúde – FAS/RS, e dá outras providências.”.
O Governo, como justifica, ponderou: “A presente proposta parte da necessidade urgente de se encontrar alternativas para garantir a sustentabilidade do IPE Saúde, que opera com déficit mensal recorrente, acumulando, assim, uma dívida estrutural e crescente. Diante deste contexto, o projeto em tela é o ponto de partida para garantir a continuidade dos serviços prestados, promovendo uma reestruturação como forma de fortalecer e qualificar o plano de saúde a partir da promoção de seu equilíbrio financeiro.”.
Todavia, é rasa e parcial a justificativa apresentada para onerar sobremaneira os servidores públicos e militares do Estado do RS. A ausência de dados técnicos e o silêncio acerca da dívida que o Estado tem com o IPE Saúde denotam a falta de transparência e de publicidade, pressupostos de validade da justificativa do PLC.
Isto porque, à medida que o Estado do Rio Grande do Sul elegeu como via de apresentação do Projeto de Lei a realização de audiências públicas, estas audiências devem compor o anseio das classes profissionais envolvidas, de sorte que as ditas audiências não sirvam apenas como “cortina de fumaça” para o Governo Estadual impor aquilo que pretende. As matérias que se pretendem discutir devem ser levadas ao conhecimento de todos, inclusive matérias que o Governo tenta encobrir a discussão, eis que se trazidas ao debate terão o condão de demonstrar que o Governo do Estado do Rio Grande do Sul criou a dívida que hoje tenta pagar com a contribuição de servidores.
É cediço que a participação popular prevista na Constituição Federal de 1988 é um princípio inerente à democracia, garantindo aos indivíduos, grupos e associações, o direito não apenas à representação política, mas também à informação e à defesa de seus interesses[1].
Assim, trata-se de ferramenta que permite a atuação e a efetiva interferência na gestão dos bens e serviços públicos.
A participação popular significa a satisfação da necessidade do cidadão como indivíduo, ou como grupo, organização, ou associação, de atuar pela via legislativa, administrativa ou judicial no amparo do interesse público – que se traduz nas aspirações de todos os segmentos sociais.
Além deste princípio balizador da participação popular, na espécie a Constituição de 1988 prevê a participação do cidadão na gestão pública, em especial, no sistema único de saúde, art. 198, III, de sorte que as audiências públicas devem ser amplas no sentido de discutir a totalidade da matéria.
Destarte, a ASOFBM, na condição de associação de classe representativa dos oficiais das Forças Militares do Estado do Rio Grande do Sul, a ABAMF/SNM/BMBM/RS, na condição de entidade representativa dos militares de nível médio da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul, bem como a ASSTBM, na condição de associação representativa dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militares, não veem outra alternativa senão ingressar em juízo, a fim de ver o direito ao acesso as informações necessárias para as discussões que envolvem o Projeto de Lei Complementar 259/2023, sobre as mudanças no IPE SAÚDE, respeitada e que o Estado do Rio Grande do Sul traga à discussão as auditorias que envolvem a culpa Estatal no déficit que, agora, se pretende transferir para os Funcionários Públicos, em especial os Militares Estaduais.
III. DO DIREITO
III.1 DA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO POPULAR
É dentro de um panorama de violação aos direitos fundamentais mais básicos consagrados em nossa Constituição Federal que se insere a necessidade de vacinação dos servidores que atuam nas forças de segurança e salvamento do Estado.
O art. 198 da Carta Magna, por sua vez, esclarece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a participação da comunidade na sua criação:
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I
II – participação da comunidade.”
Com a devida vênia, as políticas atualmente empregadas pelo governo estadual parecem ir na contramão do mandamento constitucional, pois redundam, em verdade, no uso da comunidade usuária tão somente como “massa de manobra”, já que não permite que se traga a discussão temas que não são do seu interesse, negando espaço a perquirição da culpa de a dívida do IPE SAÚDE estar no atual valor.
Isto pois, política do segredo é incompatível com a consagração da vontade geral por meio da lei, debatida abertamente, como regra, em assembleias com livre acesso do povo. A necessidade de tornar visíveis as relações entre Administração e cidadãos é decorrência do Estado de Direito, e nessa máxima se inspira o artigo 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de que “a sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração”.
A luta pela submissão do Estado ao Direito é também a luta por um poder visível e previsível, que se comporte de acordo com as leis previamente aprovadas pelos representantes do povo. Por trás da exigência de visibilidade estão a necessidade de segurança do direito e a proibição da política do “segredo”, entendida esta última proibição não somente como uma vedação ao arbítrio, mas como um dever de informar por parte do Estado.
A ausência de visibilidade torna nulas as possibilidades de controle popular e de participação do cidadão no exercício das atividades da administração. Destaque-se que a visibilidade necessariamente conferida à administração possibilita o combate à ineficácia das disposições de garantia legalmente instituídas[2].
Os atos administrativos devem ser públicos e transparentes — públicos porque devem ser levados a conhecimento dos interessados por meio dos instrumentos legalmente previstos; transparentes porque devem permitir entender com clareza seu conteúdo e todos os elementos de sua composição, inclusive o motivo e a finalidade, para que seja possível efetivar seu controle. Resumindo em singela frase a reflexão proposta, nem tudo o que é público é necessariamente transparente.
In casu, questiona-se a transparência das finanças do IPE Saúde, cujo déficit atuarial foi confirmado pelo Governo, entretanto, sem demonstrar efetivamente os motivos determinantes que ensejaram tal colapso financeiro, que são decorrentes de má-gestão, de repasses do Estado não efetuados, ou outras causas que permitam ao povo, em última análise, e, no futuro, ao Parlamento Estadual, em especial, apreciar o conteúdo real da proposta contida no PLC 259/2023, oferecendo segurança ao devido processo legislativo.
Com efeito, há obscuridade na condução das audiências públicas que pretendem embasar o referido projeto de lei por parte do Poder Executivo.
Nessa esteira, é fato notório[3] que o Tesouro do Estado é maior devedor do IPE Saúde, e responsável por 81% do atual déficit do Instituto, que chega ao total de R$ 440 milhões. De acordo com comunicado divulgado pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (Cage), a Fazenda Estadual deve R$ 356,6 milhões ao IPE Saúde. A dívida é referente ao pagamento de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) realizadas pelo Tesouro a servidores públicos que ganharam na Justiça entre 2004 e 2021.
Segundo apontamentos da Cage, ao efetuar os pagamentos dos precatórios e das RPVs, o Estado deveria ter repassado ao IPE Saúde as parcelas correspondentes às contribuições do servidor e da parte patronal. O documento aponta que as transferências não ocorreram até o final de 2022.
Há indícios, portanto, de apropriação indevida de recursos por parte do Tesouro do Estado, cuja investigação ou auditoria jamais aconteceu. Não é crível que, sem diálogo consistente, valendo-se da ausência de transparência (ou seja, beneficiando-se de sua própria torpeza) o Governo tente impingir aos funcionários públicos e militares uma dívida que é própria do Estado.
Para alavancar a ausência de transparência, as informações dão conta de que o próprio Poder Executivo negocia consigo mesmo (Tesouro vs Ipe Saúde) no âmbito da Câmara de Conciliação da Procuradoria-Geral do Estado do RS, uma dívida de tamanha monta, que está gerando reflexos em todos os servidores públicos do Estado.
O acesso à saúde no âmbito Estadual (IPE-Saúde) foi um valor agregado valorado pelos servidores e militares estaduais que escolheram o caminho do concurso público e da prestação de serviços ao cidadão gaúcho. A confiança de que o sistema estadual de saúde estava em mãos de gestores qualificados, com responsabilidade e transparência, não pode ser abruptamente rompida e subvertidos os parâmetros até então em vigor sem que antes se possa aferir publicamente, os fatores que acarretaram a situação alegada pelo Governo na justificativa do PLC, bem como, auditadas as obscuridades imanentes ao processo de gestão.
É um direito dos servidores públicos e militares do Estado, bem como do povo gaúcho, o esclarecimento prévio dos fatos acima descritos. Não há democracia quando falta transparência e, nesse diapasão, os requerentes socorrem-se do Órgão Constitucional Garantidor da Democracia e Transparência para que sejam adotadas as medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos e à garantia do devido processo legislativo por meio de premissas e pressupostos validados.
Diante do exposto, busca-se com a propositura da presente Ação Civil Pública em face do Estado do RS e do Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul – IPE Saúde, que, antes de aumentar sobremaneira a contribuição dos servidores públicos do RS, esclareça-se acerca (i) da verdadeira situação financeira do Instituto e (ii) dos indícios de apropriação indevida de recursos por parte do Tesouro do Estado.
III.2 DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, MORALIDADE E EFICIÊNCIA
A Constituição Federal traz, em seu artigo 37, caput, os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.
Da mesma forma, a Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, em seu artigo 19, consagra que a Administração Pública direta ou indireta de qualquer dos poderes do Estado e dos municípios, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação, da transparência:
“Art. 19. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõem, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação, da transparência e o seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 79, de 23/07/20)”
No presente caso, ao privar os funcionários da ampla discussão sobre quem deu causa a dívida atual e possibilitar que se traga à discussão quem deve ser o responsável pelo seu custeio, o governo estadual viola claramente três destes princípios.
O Princípio da Impessoalidade impede que a atuação da administração pública seja pautada por preferências particulares, com um fim de beneficiar ou prejudicar, devendo as autoridades com poder decisório se basear estritamente na imparcialidade e no interesse público, mas no caso, vemos um agir que pretende esconder a ineficiência deste e dos demais governos, que mal versaram os recursos e agora, querem transferir a responsabilidade para os Funcionários Públicos, em especial os Militares.
O Princípio da Moralidade impõe aos agentes públicos o dever de agir conforme preceitos éticos, de boa-fé, decoro, lealdade, honestidade e probidade, já que tal violação implicará em uma transgressão do próprio Direito. Assim, ao solaparem a verdade e transformarem as discussões nas audiências públicas em meramente um teatro, para aferir uma turva legalidade à participação popular, eivada de imoralidade torna as audiências, já que as desvia da sua finalidade.
O Princípio da Eficiência, por fim, determina que a Administração Pública opte pelas decisões que resultem em maior benefício para a sociedade, não sendo suficiente, por exemplo, adotar medidas eficazes, porém não eficientes, já que as discussões não ocorreram de forma ampla, viciando a realidade que será levada à Assembleia Legislativa.
Assim, diante do rompimento dos princípios acima enumerados, necessário que seja obstado a possibilidade de levar o Projeto de Lei Complementar a votação, enquanto não for dado conhecimento aos Funcionários Públicos e a Sociedade Gaúcha dos reais motivos do déficit apresentado pelo Governo.
IV. DA MEDIDA LIMINAR
Para além de todos os fatos acima delineados, também é suscintamente preciso demonstrar que estão presentes os pressupostos para a concessão da medida liminar ora pleiteada, nos termos do Código de Processo Civil.
Primordialmente, vale dizer que a probabilidade do direito está amplamente configurada, diante de todas as razões expostas na presente inicial, as quais evidenciam que o Governo Estadual solapou as discussões sobre o PLC nº 259/2023 ofendendo mortalmente o princípio da participação popular, quando passou a não apresentar os dados reais sobre a dívida do IPE SAÚDE.
Outrossim, o perigo de dano consubstancia-se na situação atual de prejuízo aos Funcionários Públicos, em especial os Militares Estaduais, bem como prejuízo à sociedade gaúcha, que desconhece a realidade da situação e, ao que parece, demoniza os Funcionários Públicos, como de destes fosse a culpa do prejuízo havido.
Em razão disso, é necessário agir com rapidez, a fim de coibir que maiores danos sejam causados à Sociedade.
Destarte, requer seja deferida medida liminar determinando que o Estado do Rio Grande do Sul abstenha-se de levar em pauta de votação o PLC nº 259/2023, sem que permita a efetiva discussão das questões atinentes a horigem da dívida pelo Estado do Rio Grande do Sul.
V. DOS PEDIDOS
Ante ao exposto, requer-se digne Vossa Excelência a:
- receber a presente inicial, determinando a citação do réu no endereço indicado no preâmbulo, para que, querendo, apresente contestação, nos termos do Código de Processo Civil;
- deferir a medida liminar, determinando ao réu que proceda à imediata suspensão do tramite do PLC nº 259/2023, enquanto não forem levadas a conhecimento das entidades as auditorias que demonstram a origem da dívida do Estado com o IPE SAÚDE, sob pena de aplicação de multa diária, em valor a ser arbitrado por este nobre Juízo, não inferior a 10 (dez) salários-mínimos, nos termos do Código de Processo Civil;
- julgar totalmente procedente a presente Ação Civil Pública, para declarar que os autores têm o direito de acessar as informações necessárias para a discussão nas audiências públicas, em especial àquelas que referem a origem da dívida entre IPE SAÚDE e Estado do Rio Grande do SUL, instruindo de forma transparente as discussões atinentes ao PLC nº 259/2023, de forma a dar conhecimento aos Autores, Sociedade e posteriormente ao encaminhamento do projeto ao Parlamento Gaúcho, sob pena de aplicação de multa diária, em valor a ser arbitrado por este nobre Juízo, não inferior a 10 (dez) salários-mínimos, nos termos do Código de Processo Civil no caso do não fornecimento das informações pleiteadas;
- subsidiariamente, caso não seja atendido o pedido principal, seja julgada totalmente procedente a demanda, de forma a condenar os réus a trazerem ao presente processo os dados e auditorias referentes ao histórico da dívida que hoje assombra o IPE SAUDE; e
- condenar o réu ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Por fim, protesta-se pela produção de todas as provas admitidas em Direito.
Dá-se à causa o valor de alçada.
Nestes termos, pede deferimento.
Porto Alegre/RS, 19 de junho de 2023.
Rafael Augusto Butzke Coelho OAB/ RS n° 43.511 | Frederico Rebeschini de Almeida OAB/RS n° 73.340 |
[1] DALLARI, Pedro B. de Abreu. Institucionalização da participação popular nos municípiosbrasileiros. Instituto Brasileiro de Administração Pública, Caderno n. 1, p. 13-51, 1996.
[2] Motta, Fabrício. Publicidade e transparência são conceitos complementares. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-fev-01/interesse-publico-publicidade-transparencia-saoconceitos-complementares
[3]https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2023/05/auditoria-da-cage-aponta-que-estado-deve-r-3566-milhoes-ao-ipe-saude-em-contribuicoes-vinculadas-a-precatorios-e-rpvs-clhi9jjmk006z015bvya85pdn.html