Licença Especial do Militares do Estado e conversão em pecúnia

RESUMO EXECUTIVO:
O presente documento analisa o Boletim nº 159/2025 do Estado do Rio Grande do Sul, que aprovou o Parecer Jurídico-Normativo nº 21.530/25 da Procuradoria-Geral do Estado, reconhecendo a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 15.019/2017 no que se refere à extinção da licença especial dos militares estaduais. A análise esclarece tanto o exercício do direito à licença especial pelos policiais militares da Brigada Militar do RS quanto a possibilidade de conversão em pecúnia (dinheiro) das licenças não usufruídas, considerando o Estatuto dos Servidores Militares (Lei 10.990/1997) e as alterações normativas subsequentes.

CONTEXTO NORMATIVO E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA:

O Direito Original à Licença Especial.
O direito à licença especial para os servidores militares da Brigada Militar do Rio Grande do Sul foi originalmente estabelecido pelo artigo 70 da Lei Complementar nº 10.990/1997, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Militares do RS. Conforme a redação original, a licença especial constituía-se como “a autorização para afastamento total do serviço, relativa a cada quinquênio de tempo de efetivo serviço prestado, concedida ao servidor militar que a requerer, sem que implique em qualquer restrição para a sua carreira”.
Esta disposição garantia aos militares estaduais o direito a seis meses de licença remunerada a cada cinco anos de serviço efetivo, representando um benefício consolidado na carreira militar estadual e amplamente reconhecido pela jurisprudência administrativa.

A Extinção Controversa pela LC nº 15.019/2017.
Em 21 de julho de 2017, entrou em vigor a Lei Complementar nº 15.019/2017, que promoveu significativas alterações no Estatuto dos Servidores Militares. Entre as principais mudanças, destacou-se a extinção da licença especial, que foi substituída por uma licença para capacitação profissional com características distintas.
A lei estabeleceu em seu artigo 4º que “ficam asseguradas ao servidor militar estadual as licenças especiais já adquiridas, bem como a integralização, para todos os efeitos de direito, dos quinquênios em curso na data de entrada em vigor desta Lei Complementar”. No entanto, esta disposição transitória não foi suficiente para evitar o conflito normativo que se seguiu.
A Emenda Constitucional nº 75/2019 alterou o § 4º e incluiu o § 5º ao artigo 33 da Constituição Estadual, extinguindo definitivamente a previsão constitucional da licença especial. Contudo, o artigo 2º da emenda estabeleceu uma importante regra de transição, determinando que “os quinquênios de serviço dos militares estaduais iniciados antes da entrada em vigor desta Emenda Constitucional devem ser integralizados como licença especial”.
Esta disposição transitória revelou-se fundamental para a proteção dos direitos adquiridos e em formação dos militares estaduais, criando um regime jurídico específico para os perío

O PARECER JURÍDICO-NORMATIVO Nº 21.530/25

Reconhecimento da Inconstitucionalidade Material.
O Parecer nº 21.530/25 da Procuradoria-Geral do Estado-PGE/RS, aprovado pelo Governador e dotado de caráter jurídico-normativo, estabeleceu duas conclusões fundamentais que pacificaram a controvérsia:
Primeira conclusão: A LC nº 15.019/2017, ao extinguir a licença especial dos militares estaduais antes da alteração constitucional promovida pela EC nº 75/2019, incorreu em inconstitucionalidade material. Esta conclusão baseia-se no fato de que, à época da publicação da lei complementar, o direito à licença especial ainda possuía amparo no § 4º do artigo 33 da Constituição Estadual, na redação anterior à Emenda nº 75/2019.
Segunda conclusão: Os quinquênios de serviço dos militares estaduais iniciados antes da entrada em vigor da EC nº 75/2019 devem ser integralizados como licença especial, nos termos do artigo 2º da referida emenda constitucional.
Efeitos Cogentes para a Administração Pública.
O Governador do Estado, no exercício da competência prevista no artigo 82, inciso XV, da Constituição Estadual, aprovou o parecer e lhe atribuiu caráter jurídico-normativo, conferindo-lhe efeitos cogentes para toda a Administração Pública Estadual. Esta decisão vincula todos os órgãos e entidades da administração direta e indireta, incluindo a Brigada Militar, ao entendimento consolidado no parecer.

ANÁLISE JURÍDICA DO CONFLITO NORMATIVO

O Vício de Inconstitucionalidade.
A análise da cronologia normativa revela um claro vício de inconstitucionalidade na LC nº 15.019/2017. Quando esta lei extinguiu a licença especial em julho de 2017, o § 4º do artigo 33 da Constituição Estadual ainda previa expressamente este direito. A alteração constitucional somente ocorreu em 2019, com a promulgação da EC nº 75.
Este descompasso temporal caracteriza o que a doutrina constitucional denomina de inconstitucionalidade material superveniente, onde uma norma infraconstitucional contraria dispositivo constitucional vigente, ainda que posteriormente a Constituição seja alterada para permitir tal regulamentação.

A Proteção dos Direitos Adquiridos.
A EC nº 75/2019, ao estabelecer a regra de transição em seu artigo 2º, reconheceu implicitamente a existência de direitos adquiridos e em formação que mereciam proteção constitucional. Esta disposição transitória opera como uma cláusula de salvaguarda, impedindo que a alteração constitucional retroaja para prejudicar situações jurídicas já consolidadas ou em vias de consolidação.
A proteção dos direitos adquiridos constitui princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, previsto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que estabelece que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Procedimentos Administrativos.
A Brigada Militar, como órgão vinculado à administração estadual, deve implementar os seguintes procedimentos para garantir o exercício adequado do direito:
Revisão de processos: Todos os processos de licença especial negados com base na LC nº 15.019/2017 devem ser revistos à luz do Parecer nº 21.530/25, garantindo-se o direito aos militares que preenchiam os requisitos antes da EC nº 75/2019.
Orientação normativa: A instituição deve expedir orientação normativa interna esclarecendo os critérios para concessão da licença especial, observando as diretrizes estabelecidas no parecer jurídico-normativo.
Capacitação de pessoal: Os setores responsáveis pela análise e concessão de licenças devem ser capacitados sobre o novo entendimento, evitando-se decisões conflitantes ou equivocadas.

CONVERSÃO EM PECÚNIA DAS LICENÇAS ESPECIAIS

Fundamento Legal para Conversão em Dinheiro.
Uma questão fundamental que surge com a regularização das licenças especiais é a possibilidade de conversão em pecúnia (dinheiro) das licenças não usufruídas. Esta possibilidade encontra amparo em diversos fundamentos jurídicos:
Jurisprudência consolidada: Os tribunais superiores têm reconhecido sistematicamente o direito dos militares estaduais à conversão em pecúnia da licença especial não gozada nem computada em dobro para aposentadoria.
Princípio da isonomia: Os militares estaduais devem receber tratamento isonômico em relação aos demais servidores públicos, que possuem direito à conversão em pecúnia de licenças não usufruídas.
Direito adquirido: As licenças especiais regularizadas pelo Parecer nº 21.530/25 constituem direito adquirido, protegido constitucionalmente contra alterações prejudiciais.
Analogia normativa: O Decreto nº 52.397/15, que regulamenta a conversão em pecúnia da licença-prêmio, pode ser aplicado analogicamente às licenças especiais de militares, podendo ser requerida conversão na reserva remunerada, na exoneração do serviço publico, na demissão ou no falecimento.

Cálculo da Indenização.
Conforme orientação encontrada no Guia Prático da Brigada Militar, a indenização por conversão em pecúnia deve observar os seguintes critérios:
“A indenização corresponderá ao total dos meses de licença não usufruídos e será calculada com base na última remuneração do servidor”
Atualização monetária: Desde a data em que deveria ter sido paga até o efetivo pagamento.

Prazo Prescricional
ATENÇÃO ESPECIAL: Existe prazo prescricional de cinco anos para requerer a conversão em pecúnia, conforme estabelecido no Decreto Federal nº 20.910/1932. O prazo é contado:
Para militares inativos: Do rompimento do vínculo funcional (reserva remunerada, exoneração)
Para licenças regularizadas: Do conhecimento inequívoco do direito (publicação do Parecer nº 21.530/25)
Para dependentes: Do falecimento do militar
Procedimento Recomendado:
Para militares da ativa:
Requerer administrativamente o reconhecimento das licenças especiais regularizadas pelo decreto nº 21.530/25.
Solicitar conversão em pecúnia quando do rompimento do vínculo funcional

Para militares inativos:
Requerer revisão dos quinquênios não computados como licença especial
Fundamentar no Parecer nº 21.530/25 e na jurisprudência favorável
Solicitar conversão em pecúnia das licenças especiais não usufruídas
Observar rigorosamente o prazo prescricional

JURISPRUDÊNCIA E PRECEDENTES

Entendimento dos Tribunais Superiores
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) tem jurisprudência consolidada admitindo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) sobre conversão de licença especial em pecúnia, reconhecendo que é possível a conversão em dinheiro de licença especial não usufruída nem contada em dobro para aposentadoria.

Precedentes Estaduais.
Os tribunais estaduais, incluindo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, têm reconhecido sistematicamente o direito dos militares estaduais à conversão em pecúnia de licenças especiais não gozadas, especialmente quando há comprovação de que o militar não utilizou o benefício nem o computou para fins de aposentadoria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aprovação do Parecer Jurídico-Normativo nº 21.530/25 representa um marco na resolução do conflito normativo que afetava os direitos dos militares estaduais do Rio Grande do Sul. Ao reconhecer a inconstitucionalidade da LC nº 15.019/2017 e reafirmar a proteção aos direitos adquiridos, o Estado devolve direitos funcionais de seus servidores, equivocadamente cerceados.
Para os policiais militares da Brigada Militar, esta decisão significa não apenas a restauração de um direito historicamente consolidado, mas também a possibilidade concreta de conversão em pecúnia das licenças especiais não usufruídas, garantindo que os quinquênios de serviço iniciados antes da EC nº 75/2019 sejam devidamente reconhecidos e, quando não utilizados, convertidos em indenização pecuniária.
Recomenda-se ação imediata por parte dos militares interessados para requerer administrativamente o reconhecimento desses direitos, observando-se rigorosamente os prazos prescricionais aplicáveis e fundamentando os pedidos no entendimento consolidado pelo Parecer nº 21.530/25 e na jurisprudência favorável dos tribunais superiores.

Departamento Jurídico da ASSTBM/2024/2027.
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