Suicídio, uma questão (não só de saúde) pública

Falar de suicídio é muito difícil. Se a morte em si já é um tema que assusta, mais ainda quando esta vem pelas próprias mãos, mesmo que apenas em pensamento. O medo é tamanho que muitos só conseguem falar dele por eufemismos e volteios, como “pensar em fazer uma bobagem”. Sejam quais forem as circunstâncias individuais, o suicídio é um ato de desespero de um sujeito diante de uma dor e de um vazio de sentido muito grandes, dos quais ele se vê incapaz de sair de outra forma.

Tratar de suicídio é também um assunto delicado nos meios de comunicação. Raramente são noticiados, e mesmo quando se trata de figuras públicas é preciso sensibilidade, para não encorajar quem está às voltas com essa ideia a fazer o mesmo, por identificação. Porém, uma contribuição importante da mídia seria promover a discussão pública desse assunto, que ainda é tabu. Isso poderia não só auxiliar quem está em sofrimento a encontrar ajuda, mas também a mobilizar a sociedade a se ocupar disso.

Foi esse o principal objetivo da Organização Mundial de Saúde ao publicar seu primeiro relatório sobre prevenção de suicídio, no último dia 4. O que mais ganhou destaque nas notícias foram as estatísticas de mortes por suicídio. Para além das estatísticas, porém, o documento contém informações importantes para pensar fatores de risco e estratégias de prevenção. É preciso não apenas falar dos números, mas tentar entender o que eles nos dizem das pessoas que representam.

Entre os objetivos do documento está desfazer alguns lugares-comuns sobre o suicídio. Um dos mitos é de que falar a respeito pode induzir alguém ao ato, quando o que acontece é o oposto: silenciar pode ser mais perigoso. Há também uma crença de que quem fala em se suicidar não o faz. Isso não apenas não é verdade, como pode ser um pedido de ajuda que precisa ser escutado. Outro é a estigmatização do suicídio como algo ligado a problemas mentais graves, o que dificulta pessoas com pensamentos suicidas, algo bastante mais comum que se imagina, a procurar ajuda.

Um dos méritos do documento da OMS é apontar para a complexidade da questão, que não pode ser reduzida apenas a algo da esfera individual. Fatores culturais e socioeconômicos, como perspectivas limitadas de vida e crises econômicas, têm influência importante em muitos casos, o que desmente uma crença ainda comum de que o suicídio é um problema de países ricos. Populações marginalizadas, como indígenas, migrantes, homo e transexuais, entre outras, são especialmente vulneráveis, pela dificuldade de encontrarem reconhecimento na sociedade.

O informe da OMS leva a pensar, para além do suicídio, na questão mais ampla do sofrimento psíquico. O que a multiplicidade de fatores de risco indica é que a saúde mental é algo complexo, que não pode ser abordado e entendido por um único viés. Existe uma tendência contemporânea a reduzir as dores da alma a algo inerente ao indivíduo, que deve ser medicalizado e tratado. A farmacologia é sem dúvida importante para amenizar este tipo de sofrimento, mas o fator orgânico é apenas um aspecto da questão.

Mesmo que o sofrimento psíquico se manifeste individualmente, tratar a saúde mental apenas do ponto de vista individual é ocupar-se somente da ponta mais evidente do problema. O ambiente familiar, as desigualdades sociais, a violência, a exclusão e o isolamento também contribuem para o adoecimento da alma. O suicídio e outras manifestações do sofrimento psíquico, como as depressões e as drogadições, dizem de impasses de pessoas e populações na busca de sentido para sua existência. Por isso, colocam um desafio não apenas a profissionais da saúde e familiares, mas também a todos como sociedade: que sentidos de vida temos podido construir coletivamente?

PAULO GLEICH

*É JORNALISTA E PSICANALISTA. ESCREVE MENSALMENTE

Publicado na página 11 de ZH do dia 14/09/14

Postado por Comunicação DEE ASSTBM

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