Marcelo Caetano tem participado da construção da reforma enviada ao Congresso e que deve ser apreciada em 2017
Um dos cérebros por trás da reforma da Previdência enviada ao Congresso, o economista Marcelo Caetano, integrante da equipe do ministro Henrique Meirelles (Fazenda), está convencido de que não há alternativa: ou o Brasil promove as mudanças, a fim de equilibrar o déficit do sistema, ou em breve serão necessárias medidas ainda mais severas do que as propostas pelo governo de Michel Temer.
— Quanto mais a gente postergar as atitudes para estabilizar despesas, mais forte terá de ser a reforma no futuro. Tal como na medicina, prevenir é melhor do que remediar — alerta Caetano, secretário de Previdência do governo federal.
Ele liderou o time de especialistas responsável pelo texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) que tramita na Câmara. Está no serviço público desde 1997, quando ingressou no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde foi coordenador de Previdência.
Com duas décadas de experiência na área, discorda de críticas que consideram a reforma “dura demais”. Em um cenário no qual os brasileiros vivem mais e a Previdência registra rombo crescente, avalia como necessárias medidas como idade mínima de 65 anos para aposentadoria de homens e mulheres, sem distinção entre serviço público e iniciativa privada.
Em entrevista a Zero Hora, o secretário garante estar ciente da impopularidade das mudanças sugeridas, evita comentar o que o governo aceita modificar no texto a partir da negociação com deputados e senadores e diz que ficará “satisfeito” se o Congresso aprovar a reforma até o terceiro trimestre de 2017.
O que o governo não aceita negociar na reforma da Previdência?
É um conjunto de alterações que muda regra de acesso, forma de cálculo, pensão por morte. Umas das consequências da reforma como pensamos, seria manter de modo estável a despesa do INSS na proporção em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). Qualquer negociação deve levar esse equilíbrio em conta. Se sair algo, é preciso compensar com outro ponto. Caso a reforma seja desidratada, vai ser necessário um conjunto de outras reformas lá na frente.
O governo federal propõe idade mínima de 65 anos, enquanto as centrais sindicais defendem idade mínima apenas para quem entrar no mercado de trabalho. É negociável?
A reforma divide as pessoas em três grupos: quem tem direito adquirido, que fica de fora, um grupo que pegará as regras novas e um grupo do meio nas regras de transição. Se as novas regras só afetarem novos trabalhadores, os impactos iniciais da reforma virão daqui a 35 anos. Imaginando uma reforma aprovada em 2018, daria em meados de 2050. Pela velocidade de envelhecimento populacional, não dá para esperar tanto tempo.
Por que adotar a mesma idade para homens e mulheres?
Ainda existem países com diferenças de idade, mas se você olhar as reformas recentes, como na Europa, um dos pontos em comum é acabar ou convergir a idade de aposentadoria de homens e mulheres. A gente propõe novas regras para homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45, ou seja, o processo de transição vai levar 20 anos. Essa igualdade na prática vai acontecer lá por 2038.
Há diferenças no mercado de trabalho entre homens e mulheres.
Uma coisa é o diagnóstico, existe a diferença, tem a questão da dupla jornada. Se a desigualdade no mercado de trabalho brasileiro fosse tratada por meio da Previdência, ela estaria resolvida. Há muito tempo no Brasil as mulheres se aposentam cinco anos antes. Não é a Previdência que vai resolver esse problema.Parlamentares e as centrais sindicais falam em flexibilizar as regras de transição, que seriam muito bruscas.
É um ponto negociável?
O Executivo veio com uma proposta. Quando houver a criação da comissão especial na Câmara, a gente vai ver quais são as contrapropostas. Estamos fazendo a reforma no momento em que a população está envelhecendo rapidamente. Se, ao longo do processo, o Congresso julgar que é melhor suavizar muito a regra de transição, o que vai acontecer é que pouco tempo após essa reforma vai ser necessária outra ainda mais rígida.
Críticos dizem que a reforma penaliza os mais pobres. O senhor concorda?
Isso não é verdade. O grande foco de concentração de renda que existe na Previdência é na do servidor público civil, então, a gente está fazendo com que a regra fique igual à da Previdência do setor privado. A gente também está mantendo o piso da Previdência vinculado ao salário mínimo, então, não há esse discurso de que a reforma prejudica os mais pobres.
A ideia é acabar com a correção automática, chamada de paridade, entre ativos e inativos no serviço público?
A paridade acaba. Desde 2003, quem ingressa no serviço público já não tem paridade. A inovação que a gente traz para a reforma é: um grupo de pessoas que ingressaram antes de 2003, que são os homens com menos de 50 anos e as mulheres com menos de 45, sejam servidores dos Estados, municípios ou União, vão perder a paridade com os ativos, trocada pela correção do benefício pela inflação. Eu, inclusive, perderei a paridade.
Por que 49 anos de contribuição para receber o valor integral da aposentadoria?
Em um regime previdenciário, você exige tempo de contribuição que não seja alto ou baixo, então, 25 anos de mínimo parece razoável, pois é a metade do período de vida contributiva da pessoa. Eu também preciso dar acesso a quem não conseguiu contribuir muito tempo. Se você ficou de 30 a 40 anos contribuindo, não faz sentido receber o mesmo que alguém que ficou 25. Precisa ter algum benefício. A gente parte de um piso de 51%, que aumenta conforme o período de contribuição. Se ficou 40 anos trabalhando, e muita gente vai bater por aí, terá reposição de mais de 90%.
Então, vai ser difícil receber o benefício integral?
Desde 1999, quando foi criado o fator previdenciário, no INSS as pessoas não repõem mais a integralidade. O fator depende da combinação de idade e tempo de contribuição, varia de pessoa para pessoa. Em média, com o fator, a pessoa repõe 70% da média dos salários de contribuição corrigidos. Hoje, é muito difícil pegar o benefício integral.
Ano passado, com alteração da regra 85/95 que sobe progressivamente para 90/100, começou a não ser tão difícil conseguir 100%. Estamos propondo um meio termo entre o 85/95 e o fator. Estudos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) mostram que Argentina, Uruguai e Chile repõem menos do que a gente repõe no Brasil, que fica na faixa de 80%, porque muita gente ganha um salário mínimo e, daí, repõe 100%.
A dificuldade de ficar no mercado a partir dos 50 anos pode atrapalhar?
Quando se olha a estatística de desemprego por idade, ele se concentra mais entre os jovens. Se a gente for imaginar que o desemprego vai ser resolvido com a Previdência, então deveríamos conceder aposentadoria para jovens. Ainda que reconheçamos a dificuldade de inserção no mercado nas idades mais altas, você não vai resolver o problema concedendo aposentadorias precoces.
Para um desempregado de 50 anos, a solução vai ser aposentá-lo?
Não. A solução é ter políticas de emprego, e não fazer com que essa pessoa saia do mercado.
Deixar de pagar o valor integral da pensão por morte pune quem depende do benefício?
Pensão por morte tem um ponto técnico: ela não serve para reposição de renda, mas sim para um seguro familiar. Alguém na família falece, então, cônjuge e filhos ficam com alguma renda. Na América Latina, além do Brasil, somente a Colômbia tem pensão com valor igual ao do benefício.
Com uma pessoa a menos na casa, o que é uma situação triste e delicada, você gasta menos em comida, vestuário, limpeza. Em razão disso, no mundo inteiro, em decorrência do falecimento (do chefe de família) se gera a pensão, mas ela não repõe toda a aposentadoria.
Por qual motivo foi feita a proposta de aumentar a idade dos benefícios assistenciais, voltados para pessoas de baixíssima renda, de 65 para 70 anos?
Esse aumento de idade vai ter prazo de 10 anos de transição. Tem de desenhar uma reforma que crie consistência entre benefício contributivo e não contributivo. O Loas/BPC (Benefício da Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social) é benefício não contributivo. Não faz muito sentido concedê-lo em condições iguais às de quem contribuiu. Quando o Loas/BPC teve início, 70 anos era a idade exigida, sendo que na época a expectativa de vida era menor. No final dos anos 1990 é que se reduziu.
O que vai mudar na aposentadoria do trabalhador rural?
A gente está com a ideia de reconhecer o histórico da contribuição sobre a comercialização ou, em alguns casos, pelo próprio exercício da atividade rural. A partir da promulgação da reforma, vai se propor uma lei que vai fazer com que o benefício da aposentadoria urbana ou rural seja contributivo. E a contribuição vai ser individual. Você vai ter a pessoa, ela vai completar os 25 anos de contribuição e terá direito ao benefício. Ainda haverá uma transição.
Qual será o percentual da contribuição?
Como ainda precisa ser aprovada a proposta de emenda à Constituição, será discutido mais à frente. Se é trabalhador rural de fato, mais necessitado, que vai ficar na faixa do salário mínimo, ele pode ter uma contribuição diferenciada e favorecida em relação aos demais grupos.
Por que os militares, que têm uma previdência deficitária, ficaram de fora da proposta de reforma?
Essa questão está a cargo do Ministério da Defesa, que vai propor um projeto de lei a respeito desse grupo em particular.
Como os políticos, que definirão suas regras de transição, serão afetados pela reforma da Previdência?
Quem detém mandato eletivo passa a não ter regime previdenciário especial. Quem já está aposentado como parlamentar, por exemplo, tem direito adquirido, não é afetado. Como as regras da previdência parlamentar variam muito entre Câmaras de Vereadores, Assembleias e Congresso, não tem como você, por meio da Constituição, estabelecer regra de transição única.
Há discussão para incluir, via Congresso, policiais militares e bombeiros na reforma?
O governo federal formulou uma proposta sem policiais militares e bombeiros, carreiras que estão nos Estados. Se os governadores conseguirem convencer a comissão especial da Câmara a alterar a PEC, vai depender de uma articulação deles.
Com a PEC do teto, o que ocorre se a reforma da Previdência não for aprovada?
Quem trabalha na Fazenda indica que, por dois ou três anos, dá para sustentar o teto de gastos sem a reforma da Previdência. A partir daí, fica difícil. Aliás, a reforma é necessária independentemente da existência do teto. A gente passa por um processo acentuado de crescimento populacional. Hoje você tem 12 idosos para cada cem pessoas em idade ativa. Em 2060, o número vai para 44. Fica muito difícil sustentar o regime.
A reforma da Previdência terminará com o rombo do sistema ou apenas equilibrará o déficit?
Equilibra, no sentido de estabilizar. Haverá redução de despesa de R$ 700 bilhões em período acumulado de 10 anos. Se você quiser uma reforma para acabar com o déficit, teria de colocar idades maiores, fórmulas de cálculo de benefícios mais restritas e regras de pensão por morte mais rígidas.
O que foi proposto
A reforma: em dezembro, o presidente Michel Temer enviou ao Congresso proposta de emenda à Constituição (PEC) que reúne as mudanças na Previdência. A reforma precisa ser aprovada, em dois turnos, por três quintos da Câmara (308 votos) e do Senado (49 votos).
Idade mínima: a proposta é instituir idade mínima de 65 anos para que homens e mulheres se aposentem. Valeria para o setor privado e funcionários públicos da União, Estados e municípios. Professores e policiais civis entrariam na nova regra. Atualmente, mulheres podem se aposentar mais cedo.
Tempo de contribuição: o período mínimo saltaria de 15 para 25 anos. Para receber o valor integral a que tem direito, o trabalhador teria de contribuir por 49 anos. O piso do benefício continuaria com o mesmo valor do salário mínimo.
Novas regras: seriam incluídos homens com menos de 50 anos de idade e mulheres com menos de 45. Quem já está aposentado ou reúne os requisitos para se aposentar, não será afetado pela reforma.
Transição: afeta homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45. A regra indica pedágio de 50% do tempo de contribuição em relação à regra atual. Se faltar um ano, seria necessário mais um ano e meio de serviço.
Integralidade e paridade no serviço público: deixam de existir, exceto para quem já está aposentado ou servidores que se aposentarem pela regra de transição e que tenham ingressado no cargo até 31 de dezembro de 2003.
Trabalhador rural: o governo propõe que passem a contribuir e que se aposentem aos 65 anos. O percentual da contribuição será discutido em outro projeto de lei.
Pensão: ficaria proibido acumular aposentadoria e pensão. Na pensão por morte, viúva ou viúvo receberia 50% do valor do benefício integral, com adicional de 10% para cada filho.
Benefício assistencial de prestação continuada: pela proposta do governo, seria mantido para a pessoa com deficiência e para o idoso que atenda aos requisitos do programa. A idade do idoso passaria de 65 para 70 anos.