ZERO HORA: “Quem está se matando, infelizmente, são os traficantes”, diz secretário estadual da Segurança

Cezar Schirmer admite dificuldade em combater assassinatos e atribui mortes à disputa por pontos de tráfico de drogas

Por: Débora Ely

Após um final de semana com 40 assassinatos no Rio Grande do Sul, o secretário estadual da Segurança Pública, Cezar Schirmer, falou sobre a crescente violência. Ele admitiu a dificuldade em combater homicídios, prometeu o anúncio das cidades que receberão três novos presídios para o fim deste mês, avaliou o reforço dos agentes da Força Nacional e a possibilidade de colocar mais PMs nas ruas. Confira a entrevista:

O senhor anunciou medidas para conter a violência desde que assumiu o cargo e, mesmo assim, janeiro registrou recorde de assassinatos e o último final de semana foi o mais violento desde 2014. As estratégias adotadas são insuficientes?

No ano passado, houve redução de sete indicadores (de violência) e aumento de três. Se considerado somente o segundo semestre, oito indicadores reduziram e dois aumentaram. O que tem crescido sistematicamente são os homicídios, e, por isso, temos de analisar algumas questões. Primeiro, o perfil do homicida. Está crescendo a disputa por espaços territoriais em áreas do tráfico de drogas. Quem está se matando, infelizmente, são os traficantes, em um percentual elevado. Em segundo lugar, há o consumo.

Às vezes, o consumidor da droga, na necessidade de arrumar dinheiro para pagar ou comprar, tenta assaltar e mata alguém. O homicídio foi o único indicador que não conseguimos reduzir no semestre passado, porque consumo é crescente, assim como o lucro dos traficantes e a entrada de drogas no Estado pelas nossas fronteiras. Se não coibirmos o consumo, o tráfico de drogas e o tráfico transnacional de fronteiras em uma ação federal integrada com apoio do Estado… Porque aí está a grande causa dos homicídios.

Há uma questão bem mais profunda que tem de ser analisada. Por exemplo, havíamos projetado, com o Plano Nacional de Segurança Pública, uma operação local a partir de 15 de fevereiro com a presença de 200 integrantes da Força Nacional e 400 brigadianos que fariam ação concentrada no combate a homicídios. Infelizmente, surgiram as questões no Espírito Santo e no Rio de Janeiro que retardaram essa operação.

Os homicídios ainda persistem em níveis terríveis, mas nossa expectativa é que tão logo tenhamos a Força Nacional e os brigadianos, comece a melhorar também esse indicador. Nesse meio tempo, 1,3 mil brigadianos concluem a academia no fim de maio. É um conjunto de ações que vem sendo tomado. Fizemos operações conjuntas com o Exército em Porto Alegre, criamos o Centro de Triagem e estamos concluindo uma programação com a prefeitura de Porto Alegre que vamos colocar em execução provavelmente a partir de março. Enfim, estamos tomando medidas, mas não se faz milagre e nem se muda uma realidade do dia para a noite.

O último final de semana foi um dos mais violentos da história gaúcha, e o próximo será de feriadão de Carnaval, um período que historicamente é marcado pela alta incidência de crimes. Quais medidas poderiam ser adotadas imediatamente para tranquilizar a população?

O centro de triagem, que, em tese, precisaria de mais uns 20 dias para estar em condições, decidimos abrir hoje (segunda-feira) e até o Carnaval deve estar operando em condições adequadas. Também estamos reforçando o policiamento militar em cidades onde o Carnaval têm relevância, e Porto Alegre sempre tem atenção muito especial para isso.

Inicialmente, o Centro de Triagem abriria as portas em dezembro. Dois meses depois, o primeiro espaço inaugura com somente 28 vagas disponíveis. Esse cenário soluciona a superlotação de carceragens de delegacias?

Não, mas nos encontramos na seguinte situação: a polícia para de prender e resolve a superlotação em delegacias, ou se mantém o ritmo de prisões ampliando vagas e se habilitando centros de triagem. Fizemos a segunda opção, porque parar de prender não é adequado. Se a pessoa merece, ela tem de estar na prisão. O centro de triagem está abrindo e, até o fim do mês, vamos anunciar as cidades onde serão construídos três novos presídios — um federal, um com recursos federais e estaduais e outro em parceria com o Grupo Zaffari — e mais três centros de triagem.

Enquanto o senhor cita o combate aos homicídios como o grande desafio da segurança pública, criminosos demonstram cada vez mais ousadia, com esquartejamentos e decapitações. De que forma enfrentá-los?

São manifestações de empoderamento. O homem que mata no aeroporto poderia ter matado na casa da vítima, mas mata no aeroporto porque tem mais dimensão e repercussão. “Eles” também gostam de aparecer em jornal e se empoderam no seu meio. Quando matam com violência, dão um sinal para os seus e para os rivais. O seu grupo vai festejar, e o outro grupo vai ficar com medo ou querer vingança. Isso é um problema sério.

A divulgação espetacular desse tipo de assassinato os estimula a fazer esse tipo de assassinato midiático e espetacular. A solução passa por educação e reflete uma realidade violenta que está aí, no dia a dia. Uma criança vivendo em um ambiente violento vai ser violenta. No Brasil, está em desuso falar em ordem, responsabilidade individual, obrigação… Estamos discutindo a parte visível de uma realidade social caótica, porque vivemos em uma sociedade violenta, permissiva, na qual conceitos civilizatórios estão em desuso. Qual a solução mais simplista? Colocar mais brigadianos na rua.

Tenho consciência que faltam brigadianos nas ruas, sei que faltam prisões e que há um histórico no país de omissão relacionada ao sistema prisional e ao policiamento ostensivo. Mas é só essa a solução? Tem de se discutir esse assunto com mais profundidade, e estamos fazendo a nossa parte. Claro que queria ter um pouco mais de dinheiro, porque segurança custa dinheiro, mas temos buscado soluções criativas. Uma prisão custa, no mínimo, R$ 60 mil a vaga, e o centro de triagem custou R$ 3 mil a vaga. Se fosse esperar chegar dinheiro, ficaria sentado sem fazer nada. Essas coisas não dão resultado do dia para a noite, é um processo.

Em discurso recente, o senhor disse que 2017 seria o ano do início das mudanças na segurança pública. O que está dando errado?

Tenho convicção absoluta de que será. As ações não surtem efeito imediato, levam meses. Ainda não surtiram efeito. Realmente, ainda estamos com problemas nos homicídios, mas temos de analisar as causas. A maioria dos homicídios envolve traficantes em disputa por território. Não estou justificando, mas eles estão disputando um mercado, o mercado da droga, porque se não houvesse comedor de cenoura, o produtor de cenoura faliria. O mercado da droga é crescente no Brasil e vivemos um caos no sistema prisional. Existem diversas causas, e só ouço para colocar mais brigadianos nas ruas.

Pode amenizar, mas não vai resolver. É a solução mais simplista que há, porque seria somente arrumar dinheiro e resolveria. Mas não vai resolver. Faltam policiais no Rio Grande do Sul, mas nos outros Estados não faltam e resolveu o problema do crime em outros Estados? Não. É como a Força Nacional. Resolveu? Não, porque esse não é o problema. Os problemas estão no tráfico, no sistema prisional caótico, na sociedade violenta, desigual e permissiva. A legislação brasileira de execuções penais é um absurdo — é maravilhosa, mas para a Finlândia. Estamos no Brasil, o país das leis perfeitas e inexequíveis. Tem de haver uma abordagem mais profunda, mas posso dizer que estamos fazendo um esforço extremo, com carências e poucos recursos pessoais.

O senhor se sente seguro em Porto Alegre?

Não em sinto seguro nem em Nova Iorque, nem em São Paulo, nem em Paris, nem no Rio de Janeiro… Onde for. Há um sentimento geral de insegurança.

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