Não diga que a morte de um brigadiano faz parte do seu dever, como se fosse uma anônima e neutra obrigação, um sacrifício insensível e indolor. É uma pessoa insubstituível que parte, é uma perda inestimável ao Estado, a uma comunidade, a um lar, já que tombou no exercício de sua profissão, na defesa da segurança pública.
Ela não pode ser banalizada. Na maioria das vezes, um erro de abordagem policial é mais noticiado do que os seus atos corajosos.
Há uma injustiça cobrindo a farda no lugar que merecia ser ocupado por medalhas.
A continência costuma ser o derradeiro aceno.
Como diz meu amigo Juliano André Amaral, tenente-coronel em Caxias do Sul, que acabou de entrar para a reserva depois de trinta e dois anos de atividade:
— Quando vejo a morte de um colega, eu me sinto fraco porque lembro exatamente a perda do meu irmão, em circunstâncias semelhantes. Difícil o momento para todos. Saímos para trabalhar num dia comum, e talvez não seja um dia comum, talvez não retornemos, talvez seja o nosso último dia.
Ele é filho de brigadiano. Seu pai Juvenil, hoje com 81 anos, encontra-se aposentado como subtenente, após três décadas na corporação.
É também irmão de brigadiano falecido no combate ao crime. O sargento Jorge Alberto Amaral morreu em 2013, ao tentar impedir roubo de veículo em Caxias do Sul.
Juliano entende de luto, entende de feridas abertas na família, entende o quanto a ausência precoce de um policial militar não é enfeite de uma estatística.
Na noite de quarta-feira (19), numa interceptação a um roubo num carro-forte no aeroporto de Caxias do Sul, testemunhamos o adeus de mais um brigadiano: o 2º sargento Fabiano Oliveira, 47 anos, atingido por um tiro de fuzil no tórax. Mesmo socorrido e levado ao hospital, Fabiano não resistiu. Ele deixa a esposa Eliane e dois filhos, Heitor, 15 anos, e Tales, 20 anos.
No cerco policial, a viatura do sargento, a primeira a chegar, foi alvejada de vários disparos.
— Eram de oito a dez assaltantes se passando por policiais federais. Eles acessaram a área do terminal pelo portão do pátio 2, onde estava uma aeronave com malotes de dinheiro. Distribuídos em três camionetes, numa ação premeditada, esses criminosos de outros estados sabiam perfeitamente do desembarque de transporte de valores — descreve o major Wagner Carvalho.
Dois disparos na altura do coração eliminaram as chances de sobrevivência de Fabiano — o colete de proteção balística não segura o calibre de fuzil 762, próprio de guerra.
Fabiano já poderia estar aposentado. Uma semana atrás, conversava sobre a transição com a sua esposa Eliane Almeida de Oliveira, 49 anos, casada com ele havia dez anos.
Já poderia desfrutar da paz de sua consciência, do calor de sua rotina familiar como morador do Cristo Redentor, da proximidade dos seus quatro gatos, pelos quais era apaixonado. Já poderia aproveitar as suas folgas para tirar o atraso de leituras ou maratonar seus compositores prediletos de música clássica.
Mas sua tenacidade adiava o fim de carreira.
— Não se aposentava, pois transmitia alegria de se sentir útil — recorda Eliane.
Ele comandava grupo tático, na linha de frente. Mais do que a adrenalina do combate, gostava da emoção do trabalho concluído, da gratidão de ter salvado vidas.
Sua saída diária de casa para o trabalho era tão difícil e solene, que ele não falava nada para sua esposa. Nem um “tchau”.
— Ele me dava um beijo mudo, com medo de falar qualquer coisa e se despedir para sempre.
Uma salva de tiros ao céu escoltará a passagem do soldado Fabiano para o outro lado, para a transcendência.
De todas as exéquias, não existirá maior homenagem do que capturar seus assassinos.