ZERO HORA: Reforma proposta por Sartori é insuficiente para a Previdência gaúcha

 Rio Grande do Sul precisaria de mudanças ainda mais profundas para tornar-se sustentável a longo prazo

Por: Juliano Rodrigues

Imersa em um défic22006387it acumulado ao longo de décadas, a previdência do Rio Grande do Sul precisaria de mudanças ainda mais profundas do que as propostas pelo governador José Ivo Sartori para tornar-se sustentável a longo prazo. Entre especialistas na área, é praticamente consenso de que não há como reverter o quadro deficitário em período curto. Mesmo que as medidas apresentadas pelo Piratini sejam aprovadas na integralidade, os cofres do Estado só sentirão os efeitos em relação ao déficit da previdência daqui a algumas décadas.

– Medidas previdenciárias nunca têm efeito imediato, principalmente porque há a questão do direito adquirido dos funcionários públicos. Nos Estados, há uma situação que complica ainda mais o equilíbrio, porque muitos salários são altos ou muito altos. No INSS, dois terços dos beneficiários recebem um salário mínimo. Isso não se repete nos Estados – afirma a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Jane Berwanger.

Nos últimos anos, os governos de Sartori e, antes, o de Tarso Genro, promoveram algumas iniciativas para enfrentar o déficit da previdência. Tarso aprovou na Assembleia a criação de um sistema de capitalização e instituiu nova alíquota de contribuição previdenciária (de 11% para 13,25%). Sartori criou a previdência complementar para os novos servidores e pretende implementar uma série de propostas que integram o pacote enviado ao Legislativo. Pelo menos oito dos projetos e propostas de emenda à Constituição (PECs) encaminhados pelo Executivo têm o objetivo de diminuir o rombo da previdência (leia abaixo).

Os principais afetados pelas mudanças seriam os policiais militares. O governo quer mexer em diversas regras para a aposentadoria de brigadianos. Especialista em finanças públicas e consultor da Agenda 2020, o economista Darcy Carvalho dos Santos considera as medidas incompletas.

– É o maior ajuste de todos os tempos, mas ainda é insuficiente. A previdência só vai se resolver quando mudar a idade mínima para aposentadoria de professores, PMs e mulheres. Com o crescimento da folha nos próximos anos e o aumento das aposentadorias, o fim de 2018 vai ser muito difícil – prevê.

O governo chegou a cogitar suspender os reajustes salariais concedidos aos servidores da segurança pública – parcelados até 2018 –, mas, diante da certeza de que a ideia não passaria pelos deputados, recuou.

Em crise financeira, o Estado tem tido dificuldades para contratar novos funcionários. Vinculados ao sistema de previdência complementar, pelo qual, para se aposentar com vencimentos acima do teto do INSS, estes servidores têm de contribuir mais.

Durante os dois primeiros anos do governo Sartori, apenas policiais militares e um pequeno grupo de auditores fiscais foram nomeados. Como as aposentadorias têm aumentado, o déficit de servidores em determinados setores cresce, o que por vezes prejudica o serviço prestado à população. Ou seja, ainda há muito mais funcionários vinculados às regras antigas, pelas quais é possível se aposentar com vencimentos integrais, mesmo que a contribuição não seja proporcional, do que pelo novo sistema, que é mais sustentável.

– Mudar esse cenário é coisa para no mínimo 30 anos. É difícil pensar tão longe, mas, se não começar a fazer agora, não vai mudar nunca – afirma Jane Berwanger.

As mudanças ligadas à previdência estadual que Sartori enviou à Assembleia

SEM TEMPO FICTÍCIO
A proposta de emenda à Constituição estadual altera o conceito de tempo de serviço pelo tempo de contribuição. A regra, em acordo com a Constituição federal, impossibilita formas de contagem de tempo de contribuições fictícias aos civis e militares, sem o efetivo trabalho e respectiva contribuição.

PROMOÇÕES NA RESERVA
Fim da promoção na reserva aos novos militares estaduais e àqueles sem estabilidade – hoje, soldados e sargentos são promovidos ao cargo imediatamente superior ao entrar na reserva. A medida não atinge os oficiais.

APOSENTADORIA DE MILITARES
Licença de três meses de afastamento, com possibilidade de averbar para aposentadoria caso não utilizada, deixa de existir e passa a ter a licença-capacitação de três meses, sem contagem de tempo para a reserva.

VANTAGENS TEMPORAIS
Projeto de emenda à Constituição termina com os adicionais de tempo de serviço aos 15 anos (15%) e aos 25 anos (10%) para os novos servidores. Para os que já têm adicionais, os direitos estão preservados. Quem está em período aquisitivo mantém o que está em andamento.

RESERVA COMPULSÓRIA
Oficiais passam a ter de ir obrigatoriamente para a reserva com 65 anos e os praças, com 60 anos. Possibilidade de reconvocação de militares para 70 anos, no caso de oficiais, e 65 anos, para os praças.

LIMITAÇÃO AO TETO
Hoje não é observado limite para que pensionistas vinculadas ao regime de previdência dos servidores acumulem o benefício com outros rendimentos do serviço público. Pela regra proposta, o IPE deverá pagar a pensão, somada a vencimentos ou aposentadoria, respeitando o teto do funcionalismo previsto na Constituição estadual (equivalente ao subsídio de desembargador do TJ-RS, de R$ 30.471,11).

TEMPO DE SERVIÇO
Altera o Estatuto da Brigada Militar. Para contagem de tempo de serviço serão exigidos ao menos 25 anos de efetivo serviço público militar para preencher os 30 anos exigíveis para aposentadoria.

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA
Alíquota de contribuição previdenciária passa de 13,25% para 14%. A alteração vale para todos os servidores vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social, civis e militares, de todos os poderes. A repercussão financeira da medida é estimada em R$ 130 milhões.

Para cada servidor público, Estado tem dois funcionários inativos

Governo gaúcho tem o maior desequilíbrio do país na relação entre aposentados e funcionários da ativa

Por: Caio Cigana
Para cada servidor público, Estado tem dois funcionários inativos Leandro Osório/Especial Palácio Piratini
Foto: Leandro Osório / Especial Palácio Piratini
Cerne da crise financeira gaúcha, a relação entre servidores na ativa e inativos na previdência pública do Estado alcançou uma proporção inversa ao que seria ideal para a sustentabilidade do sistema. Números do Demonstrativo de Informações Previdenciárias e Repasses (DIPR), lançados bimestralmente pelas unidades da federação em banco de dados do governo federal, mostram que, em agosto, o Rio Grande do Sul pagou 323,4 mil pessoas. Dessas, apenas 119,1 mil – ou 36,8% – eram servidores na ativa. O restante, 63,2%, aposentados ou pensionistas. É o maior desequilíbrio do país nessa comparação.

– No sistema de repartição simples, como é o nosso, a proporção de ativos para inativos deveria ser de dois para um. Mas o que temos hoje é o contrário – admite o secretário-adjunto da Casa Civil, José Guilherme Kliemann.

Com os inativos se tornando quase dois terços, o déficit previdenciário do Estado não para de aumentar, e as medidas relacionadas ao tema do pacote no Piratini anunciado no último dia 21 têm impacto, mas estão longe de representar solução. O rombo, que ano passado chegou a R$ 7,5 bilhões, deve ser de pelo menos R$ 8,5 bilhões em 2016, projeta Kliemann, responsável pelos temas vinculados à previdência.

O Rio Grande do Sul é a unidade da federação onde o problema é mais grave, confirma Leonardo Rolim, consultor de orçamento da Câmara dos Deputados e ex-secretário de políticas de Previdência Social do governo federal, que também estudou o caso do Estado. O coordenador dos estudos de previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine, observa que, se fossem levados em consideração todos os regimes próprios do país – da União, Estados e municípios – apenas em 2060 haveria menos ativos do que inativos.

Rolim aponta três questões principais como a origem do desequilíbrio. Primeiro, a questão demográfica. Os brasileiros estão vivendo mais – e no Rio Grande do Sul a expectativa de vida é maior do que a média nacional – e, em regra, os funcionários públicos, devido à maior renda e escolaridade, ainda mais. O segundo ponto, entende Rolim, tem relação com a generosidade das normas criadas para se aposentar no serviço público.

– Via de regra, as pessoas se aposentam muito jovens. Principalmente quem tem direito a aposentadoria especial, como professores, policiais e médicos. Essas regras foram definidas na década de 1970, quando a expectativa de vida era bem menor – pondera Rolim.

Falta de capitalização em sistema ajudou a agravar problema

Ainda no quesito generosidade, o especialista aponta vantagens inexistentes no regime geral como a possibilidade de se aposentar com o salário final, e não de acordo com a média das contribuições ao longo da carreira.

– Também aparecem espertezas, como pessoas que têm cargos de 20 horas, 30 horas, e chegando perto de se aposentar dobram a carga, indo para a inativa com muito mais do que contribuíram a vida inteira – exemplifica Rolim, lembrando que essas regras mudaram para quem entrou a partir de 2004, mas não são essas pessoas que estão se aposentando agora.

A terceira falha que ajudou a dar forma ao problema fiscal mais grave dos Estados é a falta de capitalização dos sistemas de previdência. A Espanha, ilustra Rolim, criou um fundo de reserva que recebia recursos em momentos de maior arrecadação. Aplicados em títulos públicos, são usados em períodos de gasto maior.

Preparando um livro sobre a história da previdência gaúcha, que em 2017 completa 170 anos, Kliemann entende que a situação atual se deve à despreocupação histórica de sucessivas administrações com o tema e à falta de planejamento que levasse em consideração estudos demográficos e cálculos atuariais. A busca por formas que façam as contas fechar não se limita ao que foi anunciado no pacote – muitas iniciativas precisam esperar a reforma da previdência planejada pelo governo federal. Novas medidas virão, promete o Piratini.

TCU alerta para descumprimento da LRF

Após ampla auditoria nas previdências próprias de 23 Estados e 31 municípios, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu, no dia 23 de novembro, que várias unidades da federação podem estar descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) devido aos déficits de seus sistemas. O quadro foi classificado como “bomba-relógio” pelo órgão. Outro problema é a baixa confiabilidade das bases de dados.

O TCU apontou “ameaça real, identificada pela equipe de fiscalização, de descumprimento da LRF, por divergências de entendimentos entre os tribunais de Contas locais e a Secretaria do Tesouro Nacional”. A legislação aponta que os Estados não podem gastar mais do que 60% da receita corrente líquida com pessoal, mas alguns deles e tribunais de Contas não estariam considerando nos cálculos certas rubricas. O Rio Grande do Sul seria um dos casos em que, pela metodologia da STN, já teria sido superado esse patamar.

Com isso, no último dia 23, o plenário do TCU aprovou por unanimidade determinação à Casa Civil e ao Ministério da Fazenda que elaborem plano para reduzir os riscos à sustentabilidade da previdência própria de Estados, Distrito Federal e municípios. Outra orientação é a de criar padronização para acompanhar os regimes próprios.

Além do maior percentual de inativos, o Rio Grande do Sul tem, em termos proporcionais, o maior déficit previdenciário do país em relação à receita e à população, indicam levantamentos feitos da Secretaria do Tesouro Nacional. No ano passado, o déficit da previdência estadual foi de R$ 7,5 bilhões, o equivalente a 24,6% da receita líquida – no Brasil, a média é de 11%. Para tapar o rombo e a arrecadação ser igual às despesas, cada gaúcho também teria de contribuir com R$ 675.

Rolar para cima