DIANTE DA EXPECTATIVA de mudanças na Previdência Social, há risco de ampliação da saída de servidores, em especial por parte de professores da rede pública estadual
Após registrar o afastamento de 6,3 mil professores em 2016, a Secretaria Estadual da Educação teme enfrentar uma corrida por aposentadorias neste ano. O principal motivo da possível debandada – que também deverá atingir outras áreas do Estado, com risco de afetar a qualidade dos serviços prestados à população – é o avanço da reforma da Previdência, em debate no Congresso.
Entre as medidas previstas para fazer frente aos desfalques está o provável fechamento de 600 turmas no início de 2017, além de nomeações e contratações temporárias de educadores. Os detalhes só serão definidos após o encerramento das matrículas, previsto para 17 de fevereiro – o início do ano letivo está marcado para 6 de março.
O principal motivo de preocupação entre os servidores é a tentativa do governo federal de impor idade mínima de 65 anos para a aposentadoria. A União garante que quem cumprir os requisitos para o benefício na data da promulgação da reforma não será atingido. Mesmo assim, o receio de perder direitos já ecoa nas escolas e em outros setores do Estado. No caso dos educadores, a resistência é ainda maior, porque hoje eles têm direito à aposentadoria especial. Por lei, as mulheres podem fazer o pedido com 25 anos de contribuição e idade mínima de 50 anos. Os homens, com 30 de contribuição e 55 de idade.
SITUAÇÃO PREOCUPA, ADMITE SECRETÁRIO
Além disso, o governo de José Ivo Sartori suspendeu a concessão de novas gratificações de permanência – valor pago para quem pode se retirar, mas opta por seguir em sala de aula. Sem o estímulo, as chances de saída tendem a se potencializar.
Em 2016, segundo a Secretaria da Educação, dos 6,3 mil afastamentos, 2,9 mil decorreram de aposentadorias, 86 de mortes e 3,3 mil de exonerações. Para este ano, a pedido de ZH, a Secretaria de Modernização Administrativa e Recursos Humanos projetou a quantidade de mestres aptos a sair de cena: serão 4.140. Caso isso se confirme e o número de óbitos e de exonerações se mantiver constante, os afastamentos podem chegar a 8 mil.
– A corrida por aposentadorias vai começar entre fevereiro e março, assim que terminar o período de férias. A categoria está em pânico. Diariamente, somos procurados para prestar algum tipo de esclarecimento e estamos alertando sobre os riscos – afirma Solange Carvalho, vice-presidente do Centro dos Professores do Estado (Cpers-Sindicato).
O secretário estadual da Educação, Luís Antônio Alcoba de Freitas, admite que a situação preocupa, mas diz que conseguirá suprir a ausência. Isso se dará, segundo ele, por meio da extinção de turmas com menos de seis alunos, do recrutamento de novos professores e da convocação de educadores do quadro atual para que assumam novos contratos – a situação vale, por exemplo, para os que cumprem 20 horas semanais.
Freitas ainda não sabe dizer quais escolas serão afetadas e quantos profissionais terão de ser chamados, porque isso dependerá do número de matriculados e da evolução das aposentadorias mês a mês.
– Historicamente, em todas as reformas feitas no país, houve corrida por aposentadorias. É possível que isso ocorra, sim, e é claro que nos preocupa. Se acontecer, vamos ter de pedir autorização ao governador para ampliar as nomeações e contratações emergenciais, e sabemos que o Estado vive uma crise. Por outro lado, o número de matrículas caiu de 1,4 milhão, em 2004, para cerca de 960 mil em 2016. Temos a média de um professor para cada 13 alunos, o que nos dá certa folga – pondera Freitas.
O secretário também pretende implementar metas de aprendizagem para reverter maus resultados – e evitar que piorem ainda mais. Na última semana, o Movimento Todos Pela Educação mostrou que só 8,9% dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio no Estado tinham nível adequado de aprendizagem em matemática em 2015.
Na avaliação do professor Fernando Becker, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o cenário é “dramático”, e a possível debandada de mestres pode agravar a situação, prejudicando alunos e causando transtornos para os pais.
– A situação é assustadora. Não se faz educação de qualidade sem professores, e eles precisam estar motivados – afirma Becker.
Ao completar 28 anos de magistério estadual em 2016, a professora Ceres Labrea Ferreira, 52 anos, tomou a decisão que classifica como a mais difícil de sua vida: pedir a aposentadoria. Ceres integra o contingente de educadores do Estado que optou por deixar a sala de aula mesmo podendo permanecer na ativa.
A escolha, segundo ela, não foi fácil. A alfabetizadora já poderia ter se retirado dois anos antes, quando fechou 25 anos de serviço e 50 de idade, mas não quis parar. Passou a receber gratificação de permanência e continuou à frente do processo de aprendizagem.
– Sempre fui comprometida com a educação e dedicada aos alunos. Sou apaixonada pela profissão que escolhi e acredito que bons professores são fundamentais – conta a educadora, que estava no último nível da carreira e prefere não relevar quanto ganhava do Estado.
Por 12 anos, ela vinha atuando na Escola Estadual de Ensino Médio Tom Jobim, dentro do complexo da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) na Vila Cruzeiro, em Porto Alegre. A instituição atende jovens em conflito com a lei.
A decisão de parar, conta Ceres, decorreu do sentimento de desvalorização e do receio de perder direitos. Ela considera temerosa, por exemplo, a intenção do governo do Estado de rever benefícios, entre os quais a gratificação de difícil acesso, tanto quanto a decisão de reduzir turmas. Quanto à proposta de reforma da Previdência em debate no Congresso, diz que foi a gota d´água e que outros colegas também estão preocupados.
– Sei que vou sentir um vazio enorme em março, por não rever meus educandos e por não participar do processo de educação desses meninos à margem da sociedade, mas, pela primeira vez na vida, decidi pensar em mim e no meu futuro – afirma.
Se as aposentadorias de professores são um problema para o Estado, a redução do número de PMs dos quadros da Brigada Militar também preocupa. Depois de atingir o maior déficit de efetivo desde 1981, a corporação pode perder pelo menos mais 1.240 policiais para a reserva em 2017. A projeção é da Secretaria Estadual de Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos, elaborada a pedido de ZH.
Em 2016, a corporação registrou 1.987 aposentadorias de PMs (10% do total em atividade). Equivalente a 5,4 desligamentos por dia, o número triplicou em comparação com 2010 e superou o recorde de 2015 (veja o quadro ao lado).
Por lei, os policiais podem ir para a reserva com 30 anos de serviço, o que contribui para a ampliação do déficit – hoje, existem cerca de 19,2 mil PMs ativos, mas o ideal seriam 37 mil.
Para reduzir essa diferença, em dezembro, o governo do Estado formou 166 soldados, que passaram a atuar nas ruas de Porto Alegre, Viamão, Alvorada, Cachoeirinha, Gravataí e Canoas. No fim do primeiro semestre de 2017, deverão se formar mais 1.040 profissionais, que estão com curso em andamento. A previsão é de que o grupo comece o estágio até março.
Apesar dos esforços do Palácio Piratini, o contingente é insuficiente para suprir a lacuna. O salto no número de baixas em 2015 e 2016 se deve, conforme a Associação dos Cabos e Soldados da BM (Abamf), às medidas de contenção adotadas pelo governador José Ivo Sartori – entre as quais o congelamento de promoções, que perdurou até meados do ano passado.
Na avaliação do presidente da Abamf, Leonel Lucas, a projeção da secretaria está subestimada. Ele projeta que cerca de 3 mil PMs alcançarão 30 anos de serviço em 2017, preenchendo o requisito para a aposentadoria. Lucas afirma que os policiais se sentem desestimulados e, como os professores, também temem os rumos da reforma da Previdência, embora tenham ficado de fora da proposta em debate no Congresso.
JULIANA BUBLITZ